Por um longo tempo, Flávia continuava aplicando sua “armadilha”. Conheceu muitos rapazes, alguns bons, outros não, alguns diferentes, outros comuns, legais e chatos, solitários e apaixonados mas, até esse dia, nenhum particularmente especial.
Pelo menos, era assim que ela pensava.
Flávia abre os olhos. O relógio marca 7h30. O calendário, 28 de Julho. O quarto é iluminado por uma delicada luz dourada. Ela pisca os olhos lentamente. As cortinas estão abertas.
“Mas ninguém abre as cortinas!” – ela pensa, tateando a cômoda em busca do famigerado bilhete de despedida. Suas mãos não encontram nada. “Caramba, foi embora e não deixou nem um bilhete!”. Esses eram os piores, raros, é verdade, os que não se despediam. Ela os odiava. Enquanto rumina sua raiva, Flávia escuta sons de louça vindos da sala.
Levantando-se e indo até a porta do quarto, pé ante pé, ela vê que o rapaz ainda não foi embora. “Ah, céus! Será que eu vou MESMO ter que colocar ele pra fora?” – ela pensa furiosa. Remexendo no armário, ela pega a primeira camisa grande que encontra e a veste, cobrindo dos ombros até metade da coxa.
Flávia sai do quarto, ainda em silêncio, chegando até a sala. Ele arruma a mesa cuidadosamente, colocando pratos e comida em seus lugares. Ele repara na garota que o observa.
– Bom dia!
Ela fica bastante surpresa e sem reação com a mesa posta, o sorriso e aquele “bom dia” tão simpático.
– Você não tem que ir trabalhar?
– Hahaha! Tenho, e você?
– Te… Tenho, também. Mas, se você tem que ir, o que ainda tá fazendo aqui? – ela fica ainda mais desconcertada.
– Ah! Então ESSA era a pergunta! Bem, eu não queria sair sem falar com você antes e… também não queria te acordar. Então aproveitei o “tempo livre” para fazer um café da manhã legal.
– Mas – ela olha para a mesa, sem uma resposta – Er…
Ele a interrompe, divertido.
– Não se preocupe, a cozinha ainda está inteira, e pode deixar que eu lavo os pratos!
– Você… Você tá atrasado!
– Na verdade, muito longe disso… As filmagens só começam daqui a algumas horas. Você tá atrasada?
– Filmagens?
– É, ué. Eu sou diretor, já esqueceu?
Ela lembra de algo parecido nas conversas do dia anterior, mas nada com muita clareza.
– Ah, é mesmo! É o sono… – ela solta essa desculpa esfarrapada.
– Mas, você ainda não respondeu à minha pergunta…
– Pergunta?
– Você está atrasada?
Ela pensa por alguns instantes, respondendo devagar, ainda sem certeza na voz.
– Eu… tô… Tô atrasada sim! Você tem que ir embora!
Ele olha para ela, meio desapontado, perguntando com os olhos se ela tem certeza. Sem obter resposta, pega suas coisas sobre a mesa e se dirige para a porta. Ela o acompanha, detendo-se à porta. Eles se despedem com um beijo no rosto.
– E… Obrigado pelo café. Desculpa pela falta de tempo, mas não é culpa minha e…
– Tudo bem, deixa pra lá – ele a interrompe novamente – A gente se vê por aí…
– É… Tchau.
– Tchau.
Ela fecha a porta delicadamente. Ele chama o elevador, em sua mente repassam as cenas da noite anterior, ali naquele mesmo hall. O elevador chega, ele entra. Quando a porta está quase fechando, ele ouve a voz dela.
– Ei! Espera!
Ele seugra a porta imediatamente, abrindo-a para sair.
– Oi? – ele volta, surpreso.
– Você esqueceu sua caneta! – ela estende a mão com o objeto.
– Ah, claro – mais uma vez a decepção volta a seu rosto e ele se vira para o elevador.
– Tá, mas não foi por isso que eu te chamei de novo…
– Não? – ele continua virado para dentro do elevador, de costas para ela, segurando a porta.
– É que… ninguém nunca tinha feito nada parecido, sabe? O café…
– Ah… É, acontece.
– Não, não é isso. Eu descobri que não vou conseguir comer tudo sozinha. Você ainda topa me acompanhar?
– Hm?
– No café da manhã, que você preparou. Quer me acompanhar? Depois até ajudo a lavar os pratos – ela já assume um tom mais de brincadeira.
– Mas você não tava atrasada?
– É, tava, mas, e daí? Eu nunca tinha ganho um café da manhã!
Ele sorri.
– Tá, se você insiste… – ele fala, saindo do elevador e virando-se para ela.
Seus olhos se cruzam por um instante e os dois ficam paralisados. No fundo de suas íris, enxergam aquilo que sempre procuraram.
O elevador desce, fazendo barulhos e quebrando o momento. Meio tímidos, ambos voltam para o apartamento. Ela passa o braço ao redor da cintura dele. Ele fecha a porta.
A imagem da porta permanece por alguns instantes, e então vai esmaecendo para o preto. Com letras brancas, aparece o texto:
“E até os dias de hoje, eles são felizes juntos.”
“Fim”.