De todas as coisas que eu passei a desgostar no processo de produção de um filme, vídeo, projeto, etc, desde que entrei em AV, a montagem sempre foi a mais prejudicada. Eu gostava de fazer experiências, encaixar uma coisa na outra pra ver no que dava e geralmente, o primeiro corte de qualquer coisa era também o último. Não era sempre, e também não necessariamente rápido. Aí você aprende que tem que montar no Final Cut – que é o programa mais chato do mundo -, que tem que organizar o material seguindo as normas X e Y, que tem que converter o material – isso eu nunca vou engolir – se distanciar da experiência do set (de preferência, o montador não deve frequentar o set), sincronizar o som, fazer ajustes na imagem pro filme ficar com cara de produto final, e por aí segue a lista. Essas são as piores, pra mim, e vou explicar direito os motivos.
Começando pelo Final Cut, que é um programa imbecil. Sorry Apple, mas é. Se você importar uma sequência numérica de arquivos, ele vai ordenar: 1, 10, 11, 12, …, 2, 20, 21, …, 3, e assim por diante. Se um programa não é capaz de entender a ordem dos números naturais, me pergunto qual sua capacidade de entender de um filme. Os atalhos são nebulosos – não adianta deixar o mouse em cima do botãozinho da ferramenta, que nem num Adobe da vida, ele só vai mostrar o nome, mas não as hotkeys. O Final Cut 7, que é a última versão do programa – literalmente a última, porque a Apple abandonou o estilo “Pro” na sua atualização, automatizou todos os processos, e assim matou o editor de som e o camarada que faz a correção de cor, em outros programas (mais decentes) – foi lançado em 2009.
Eu te desafio a listar todas as câmeras que foram lançadas de 2009 pra cá. Ok, acho que foram muitas e a lista vai ficar muito longa. Te desafio então a listar todos os formatos/codecs que se popularizaram e aprimoraram de 2009 pra cá. Putz, ainda tem muita coisa, né? Então vamos focar em UM único codec, que mudou bastante coisa: MP4/H.264. Pois é, o FCP7 não tem suporte nativo a H.264, o que só faz aumentar minha ira, uma vez que tenha boa qualidade de imagem e preço acessível utiliza codificação H.264, como as Canons, Nikons, Panasonic, Sony, e por aí vai.
O que você faz, já que o programa não consegue lidar com formato original dos arquivos? Ah, sei lá, acho que é uma boa CONVERTER TODO O MATERIAL DO FILME. Vejamos bem. Um filme curtinho (3-5 minutos), feito sem muito exagero de planos e com material comprimido (H.264), fica com mais ou menos 7-10 gigabytes. Na hora que você converte pro formato amigável do FCP – o AppleProRes 422 – esse volume aumenta de 20 a 30 vezes. Aí o filme acabou de ficar mais caro, porque tá na hora de comprar um HD, o material não cabe mais num pendrive!
Acho que não vale a pena contra-argumentar dizendo que “Em ProRes o computador sofre menos pra interpretar as informações do vídeo”. Sério, estamos falando de computadores de 2009. Se você, em 2013, ainda usa um computador de 2009, e se esse computador REALMENTE não consegue abrir um MP4 da vida, vou te dar a dica que por menos de mil reais você consegue um netbook melhor. Em 2009, 2GB de RAM DDR era MUITO. Hoje, 16GB DDR3 é razoável. Os padrões são outros, a velocidade de processamento é estupidamente maior e, por consequência, a velocidade. Isso sem entrar no mérito de que você não vai GANHAR nada em relação ao arquivo original – sei lá, mais cores, mais latitude – só tamanho.
Sincronizar o som: ninguém nunca explica essa parte direito. Vendo no set, você entende que é a partir da clquete, afinal, a câmera vê a batida, e o som grava a batida, então, na montagem você faz a imagem juntar com o som nesse ponto, e pronto! E é isso mesmo! Fazer isso pra um plano, “moleza”. Pra dez planos, “ok, tolerável”. Pra TODOS os planos? Um inferno! Só pra achar a claquete no vídeo, e depois achar no som, você já vai perder o tempo de uma vida inteira, pra juntar os dois, no frame certinho, vão mais duas vidas.
Em aula, ninguém fala de outros métodos. Andando pelos corredores, ouvi rumores de um plugin e resolvi testar. É o bendito do PluralEyes – antes, da Singular Software, e agora da RedGiant. O que o PluralEyes (versão 2) fazia era pegar o string de som da câmera, comparar com os strings do som direto, e achar os pares perfeitos, em meio a todo o material. Desse jeito, você pode sincronizar múltiplas câmeras pra um único som direto, não precisa nem enquadrar a claquete – na verdade, NEM PRECISA de claquete – e tudo muito mais rápido e preciso do que fazer na unha. Essa versão era um plugin pros principais programas de edição. FCP, Premiere, Vegas e AVID. Agora, uma nova versão foi lançada, que é um programa independente. Ele faz o mesmo que o plugin fazia, só que vinte vezes mais rápido e mais certo. Sinceramente, essa porcaria devia ser apresentada no PRIMEIRO dia de aula. Se não, que fosse pelo menos no primeiro dia de Montagem!
Agora, como que essa história do som se relaciona com o set? Não é muito difícil derivar a partir da não-necessidade de claquete. Se você não tem que ficar batendo claquete, e mantém uma continuidade decente, seu set já tá mais rápido. Se você consegue andar mais rápido no set, seu filme tem menos dias e é mais barato. Na real, se esse “continuísta decente” for o montador, só vejo pontos positivos. Primeiro, porque ele não vai precisar ver todos os takes de tudo, pra saber o que está acontecendo. Ok, existem anotações que indicam qual é melhor, mas, melhor em relação a quê? Então, tem que ver tudo. Se ele tava no set, ele já viu todo o material e já sabe todos os truques – onde encaixa e desencaixa, onde tem que fazer uma cobertura, que sons podem ser gravados sem imagem, e por aí vai – pra fazer a montagem andar mais rápido, manter o clima da filmagem (quando isso é bom), além de já ter uma conversa/experiência com o diretor/diretora sobre o que se espera do resultado.
Sobre colocar sonzinhos extras e fazer alterações na imagem: pessoas, estamos falando de um filme. Um produto de imaginação. Se você não consegue assistir o negócio montado e imaginar como vai ficar com a cor final e os efeitos sonoros, acho que – mesmo tendo passado no vestibular, que não é fácil – você tá na área errada, e tá na hora de exercitar esse lado esquerdo do cérebro. Pra mim, o som é com a galera do som – eu não quero nem botar o dedo, a menos que eu acredite muito cegamente que minha contribuição será fundamental, e olha que isso requer uma boa dose de arrogância, pois parto do princípio de que “minhas idéias de montador sobre o som são melhores que as idéias do som sobre o som”.
Correção de cor é uma loucura do fotógrafo e do diretor. Se eu, montador, consigo fazer um chute de correção melhor que o fotógrafo, o filme já começou bem errado. E não tem essa de “pra ver se dá pra ficar parecido”, quando você encaixa um plano bem diferente de outro, numa mesma cena. Hoje em dia, qualquer coisa pode virar qualquer outra coisa, com o tempo apropriado de trabalho. Então, vamos deixar o trabalho do som pro som, e o trabalho da foto pra foto, que sua vida de montador vai ficar bem menos chata e com menos cara de estágiário-que-faz-o-trabalho-dos-outros.
Organizar o material é de fato saudável, mas geralmente, o que vale é o último take, então, dá pra viver muito bem sem isso. Além do mais, dá pra fazer no set, e não deixar pro montador (que não tem nem idéia daquela bagunça) arrumar.
Agora que estamos chegando ao fim, vocês devem estar se perguntando porque essa revolta toda. Se é só algo que eu tinha aqui, amargurando em meu âmago, ou se é novo, se eu não gosto de montagem, se eu gosto, enfim. Eu gostava de montagem. Aí comecei a fazer as aulas, e passei a nem sequer tolerar montagem. Aí montei um filme que tinha muito interesse, estive no set (fui co-produtor, co-fotografo, co-assistente de direção, co-ntinuísta e logger, então dá pra ver que a equipe era pequena, né?), e fiz do jeito que me veio na cabeça, baseado no que a gente tava conversando durante as filmagens e no que o material passava. As filmagens duraram um dia só: 47 planos, com uma média de 6 takes por plano, e não custou duzentos conto. Isso foi em Outubro do ano passado.
O filme ficou bacana. É um tema divertido, engraçadinho, ágil, sem drama, anamórfico, equipe bacana, enfim, só coisas positivas. Aí fiquei um dia inteiro montando, no Premiere. Sincronizei com o PluralEyes, o material já tinha sido organizado no set mesmo – por mim – e fui encaixando uma coisa na outra. A pegada era bem Scott Pilgrim e Kick-Ass, então tentei manter o ritmo.
Depois, com dois cliques – literalmente -, joguei a montagem pra dentro do After, DIRETO do Premiere, de forma rápida e civilizada para ajustes importantes como esticar a imagem e acelerar alguns planos. Renderizei e mandei pro povo. Já tive retorno e no dia seguinte, fiz a correção de cor, efeitos especiais e ajustes finais. Como tava na pegada one-man-band, entupi o filme de efeitos sonoros. Deixei a arrogância rolar. Depois, se a May quiser ela aproveita, se não ela pode jogar tudo fora, que meu apego a essas loucuras é bem pequeno, elas são mais sugestões de clima, uma vez que a May não estava no set.