Day-to-Day

Griffith e o Melodrama.

May 29, 2010

Tava fuçando aqui e descobri que não tinha postado um trabalho de História do Audiovisual. Acho que é algo bem específico, mas, nunca se sabe. Aos que se aventurarem, a filmografia básica para entender os temas discutidos é Intolerância (Intolerance: Love’s Struggle Through The Ages, 1916) e O Lírio Partido (Broken Blossoms, 1919) ambos dirigidos por David Wark Griffith, figura importante no estabelecimento das bases do cinema.

INTOLERÂNCIA e O LÍRIO PARTIDO.

“Entre as chamadas ‘artes de imitação’, tanto a tragédia quanto, mais tarde, o melodrama, buscaram e buscam, grosso modo, um mesmo fim: proporcionar a vivência de emoções não-disponíveis para seus espectadores” (Cláudia M Braga). De origem nos palcos do teatro, definido (na década de 1980) por Jean-Marie Thomasseau em sua obra homônima, O Melodrama transferiu-se para o cinema carregando consigo influência direta do teatro popular e do vaudeville, de onde também vieram grande número dos atores e atrizes do gênero na época (entre 1908 e 1920), atraindo assim quantidades de público consideráveis.

Entre algumas de suas características mais marcantes, no melodrama temos um sentimentalismo exagerado, a tipificação das personagens e a opressão constante das virtudes e dos personagens que as representam, uma vez que o sentimento purifica o homem. Já na parte mais técnica, os atores interpretam suas emoções com gestuais bastante exagerados e a imersão do público na história.

Aliado à essa base incorporada do teatro, David Wark Griffith – da mesma forma que outros diretores,  entre eles Frank Borzage e Abel Gance – se aproveita das características do gênero mais conhecidas pelo público, adaptando-o para o cinema. “No caso de Griffith, é a inovação de linguagem que faz a cena ‘grande’ a nossos olhos” (Ismail Xavier), o diretor dava forma às suas tramas calcando-as no melodrama e as aprimorava através de sua principal técnica: a montagem paralela.

“Os primeiros exemplos de montagem paralela aparecem por volta de 1907 (…). O papel de D. W. Griffith foi crucial neste período de transição, de mudança na linguagem.” (Flávia Costa). Essa foi, sem dúvida, a maior atualização do cinema em relação ao melodrama teatral, tornando os filmes capazes de convergir várias situações em direção a um único ponto na história, com grande sensação de simultaneidade e tensão.

Intolerância apresenta-se como um ‘drama de comparações'” (Ismail Xavier) e é um excelente exemplo de montagem paralela. Fundamentado em quatro momentos históricos distintos (Queda da Babilônia, Noite de São Bartolomeu, Paixão de Cristo e Tempos Contemporâneos). Apesar de cada situação apresentar seus problemas e desafios no caminho da virtude, declaradamente Griffith não divide igualmente o foco entre elas. A história passada nos tempos contemporâneos recebe muito mais destaque que as outras, seja nos desdobramentos da trama, seja na própria montagem paralela.

A transição entre as quatro histórias se dá por diversos planos em que Lillian Gish (atriz favorita do diretor) balança o berço que representa a humanidade, sempre em movimento através do tempo, ou, menos detalhadamente, quando há uma mudança nos letreiros.

“Griffith (…) domina o esquema conjunto/detalhe/conjunto” (Ismail Xavier). Habilidade facilmente perceptível nas seqüências ambientadas na Babilônia, onde temos planos com cenários monumentais, seguidos de planos próximos enfocando alguma ação  importante e retomando o grande plano geral, mostrando as enormes conseqüências dessa ação – apesar de ser frequente em toda a trama da Babilônia, esse tipo de montagem é bem mais comum na seqüência da batalha de Belshazzar contra Cyrus.

“É preciso mostrar a face escura do pecado para fazer brilhar a face iluminada da virtude” (D. W. Griffith). Com isso em mente, podemos começar a mergulhar na história contemporânea de Intolerância.

“O drama do diretor de Intolerância volta-se mais para o homem comum às voltas com opções morais, a honestidade e a safadeza; o herói positivo típico à ‘era do progresso’, quando aparece, vem para condensar aquela transição entre o rural e o urbano” (XAVIER, 1984, p. 25)

Nessa história, um jovem rapaz, envolvido no mundo do crime após demissões em massa na fábrica onde ele trabalhava, se apaixona e se envolve com uma moça que era filha de um velho que trabalhava nessa mesma fábrica, demitido juntamente com o rapaz, e que se mudaram para a mesma cidade. Cedendo às vontades da moça, ele abre mão da corrupção, indo até seu chefe, um gangster, e se demitindo (ação ilustrada através da devolução da arma que o rapaz carregava). O gangster arma para seu ex-empregado e o mesmo vai preso. A amante do gangster, por sua vez, se aproveita desse conflito para vingar-se do vilão às custas do casal. Escondida pela janela, utilizando a arma que anteriormente pertencera ao rapaz, dispara algumas vezes, matando seu amante no apartamento do casal, durante uma briga com a moça. A polícia chega rapidamente e, como ela não mais se encontra, o rapaz, recém chegado da cadeia, é acusado de assassinato e condenado à forca. Agora sua esposa deve correr atrás de uma prova capaz de inocentá-lo.

Em outra mão, temos O Lírio Partido (1919), onde Lillian Gish interpreta Lucy, uma garota triste, que apanha sem motivo do pai alcólatra, e nunca sorri de verdade, apenas quando seu pai a ordena. O Homem Amarelo é um chinês que partiu de suas terras em busca de um mundo diferente, e de fato encontra esse mundo (Limehouse), mas muito mais devasso e impuro do que ele imaginava, o que acaba corrompendo-o externamente.

Entretanto, ao encontrar com Lucy, ferida pelo pai e desmaiada no meio de sua sala, ele começa a recuperar sua essência honesta e pura, cuidando da moça. Na parte técnica, Griffith faz bastante uso da noite americana (tintura azul para filmagens externas diurnas, significando que aquelas cenas se passam à noite). Atenção especial para a montagem paralela no trecho em que o agente do pai de Lucy vai à loja do Homem Amarelo e descobre que a garota está escondida lá, se recuperando da surra, enquanto que nesse tempo o Homem Amarelo vai na loja em frente, providenciar troco.

“Ciro movimenta seu exército para conquistar a Babilônia; Cristo sobe o Calvário e é crucificado; os católicos franceses massacram os protestantes na Noite de São Bartolomeu; a esposa aflita, no carro em disparada, leva a contra-ordem do governador, enquanto que, na prisão, os preparativos para a execução do marido estão na última fase. (…) O conjunto, com suas correrias, impasses, batalhas e tragédias, marca um arranque final de montagem que leva mais de meia hora para se desenrolar.” (XAVIER, 1984, p. 51)

Traçando um paralelo entre as seqüências finais de Intolerância (a história contemporânea) e O Lírio Partido, ambas apresentam uma montagem paralela incrivelmente dinâmica na qual é impossível ter certeza se a salvação chegará a tempo para os representantes da virtude. Há fortes emoções em cena e o diretor as apresenta através de eficientes campos/contracampos aliados a planos próximos e uma íris mais fechada nas expressões dos atores. “(…) Sutil nos lances poéticos que envolvem a representação de sentimentos” (Ismail Xavier). Em termos de roteiro, ambos os casos apresentam situações onde pessoas foram julgadas e condenadas por crimes que não cometeram. Em Intolerância, o jovem rapaz não matou seu ex-chefe e em O Lírio Partido, Lucy é acusada pelo pai de ter se envolvido com o Homem Amarelo, coisa que ela também não fez.

O desfecho das duas obras, entretanto, é totalmente diferente. Enquanto que Intolerância culmina com a libertação do inocente a partir da confissão da assassina, O Lírio Partido se encerra após a morte de Lucy, pelas mãos de seu próprio pai, a morte do pai, como forma de vingança do Homem Amarelo, e suicídio do rapaz, para reencontrar sua amada após a morte. Torcemos, durante os desdobramentos da ação, para que o chinês chegue a tempo de salvar a garota, ao mesmo tempo que assistimos, bem de perto, o seu medo e o pai enfurecido, totalmente fora de controle, incentivado por seus agentes. Não há um equilíbrio entre o número de planos do chinês em comparação com os do pai e filha, como vemos em Intolerância. Já sabemos, apesar de não querermos aceitar, que o chinês não chegará a tempo. E é isso que de fato acontece. Quando o salvador chega, já é tarde demais, e Lucy dá seu último suspiro.

Em Intolerância, acompanhamos muito de perto, num ritmo quase frenético, a perseguição do carro veloz, com a confissão da assassina, atrás do trem que leva o governador, que por sua vez, pode salvar o inocente da forca. Ao mesmo tempo, acompanhamos as preparações para o enforcamento, em conjunto com a corrida de retorno, protagonizada por sua esposa e “um homem bom” até o local onde será realizada a execução, levando a carta do governador, capaz de inocentar o condenado. Quando eles chegam, o rapaz já está sobre o pedestal, com o capuz na cabeça e a corda no pescoço, prestes a cair, mas ainda há tempo para interromper tudo. Inocentado, temos uma legítima vitória da virtude oprimida, onde ele se reencontra com sua esposa, eles recuperam o filho tomado pelas socialites e tudo mais parece ir tomando seu lugar correto.

Griffith demonstra maestria em suas técnicas e no uso da linguagem cinematográfica – à qual ele se atribui o crédito de autor. Sua montagem paralela é capaz de criar tensão e segurar o espectador ligado até o desfecho da situação. Já seu célebre uso do melodrama, nos mais diversos contextos (ainda que sempre seguindo a questão da virtude oprimida) transmite fortes emoções, incomuns a esse momento do cinema, lhe garantindo grande popularidade e estudos até os dias atuais.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

THOMASSEAU, Jean-Marie. Melodrama. SP: Editora Perspectiva. 2005.

COSTA, Flávia C. O Primeiro Cinema. SP: Scritta. 1995

SCHICKEL, Richard. D.W. Griffith: an American Film Life. New York: Proscenium Publishers Inc, 1984

XAVIER, Ismail. D.W. Griffith: O Nascimento de Um Cinema. SP: Editora Brasiliense. 1984.

BRAGA, Cláudia M. Melodrama: As Estratégias Trágicas da Emoção na Modernidade. Campinas – SP: Unicamp/UFSJ.

  • Ferradans. · Morettin. April 21, 2011 at 8:59 am

    […] meu blog começou a bombar de visitas. Ontem, no set do Takeshi, descobri que o Morettin passou o trabalho de Griffith para os bixos. Hoje, vim averiguar, e ele está entre os posts mais movimentados recentemente, […]

  • R. Deangelo July 24, 2014 at 7:30 am

    estou fazendo história do audiovisual I com o Morettin neste semestre, sua postagem foi de muita valia. Obrigado! Mesmo quatro anos depois…

    • Tito Ferradans July 24, 2014 at 4:52 pm

      Que bom saber! hahaha! Seja bem vindo ao AV, e aproveite as aulas de história, porque elas valem muito a pena! :D