Day-to-Day

[DOC] Salesman.

June 25, 2011

Para entender melhor o filme dos irmãos Maysles, é preciso estar familiarizado com o contexto histórico de seu lançamento. O ano de 1968 é um ano de transformação em todo o mundo, com a tensão da Guerra Fria, o American Way of Life sendo exportado a torto e a direito, para combater o comunismo. Salesman mostra o lado negativo do mundo dos negócios, discutindo a decadência dos ideais mercantis e o apreço americano pela religião.

Os caixeiros viajantes desempenhavam um ofício ultrapassado, obsoleto, resquício do “american dream” (cada um, por si só, é capaz de garantir seu sucesso e ascensão). No mundo corporativo já era possível lucrar mais com menos gastos, tanto de tempo como de capital.

Salesman é inspirado na abordagem ficcional/real do livro A Sangue Frio, de Truman Capote, que gira em torno de um assassinato real. A forma mais eficaz de criar a narrativa é se aproximar de seu assunto (Paul, nesse caso). É um filme representante do cinema direto. É um drama não-ficcional.

Um pesquisador foi contratado para escolher os caixeiros ideais, e ficaram decididos os quatro que formam o grupo. A apresentação dos personagens ressalta a estrutura narrativa, inclusive com seus apelidos (cada um é um animal), mas os apelidos não são explicados imediatamente. Ao longo do filme, o público divaga sobre eles, até que Paul os explica, ao final.

A montagem ressalta os sentimentos de Paul, mesmo que ele fale pouco. O exemplo mais claro disso é a cena da convenção dos caixeiros, onde Turner vai citando as características dos maus vendedores, e acompanhamos as reações de Paul. Ela se faz clara nesse momento, da mesma forma que quando Paul comenta coisas para a câmera. Ele é o único que faz isso, e definitivamente está falando com a câmera, já que não há mais ninguém com ele no carro. Mas muito da essência da obra vem da própria filmagem, e menos da edição.

Eu, Um Negro e Salesman são fundamentais na subjetividade dos personagens. Só que Eu, Um Negro é subjetivo a partir das interpretações dos personagens e Salesman porque Paul Brennan deixa seus pensamentos e sentimentos transparecerem para a câmera, sem que ele mesmo perceba. Posteriormente ao filme, ele confirmou os sentimentos mostrados pela câmera, surpreso com a transparência dos mesmos ao longo do filme. Esses medos de Paul ampliam a identificação do público com o protagonista.

Os Maysles não deram atenção especial para o lado artístico do filme, recorrendo a uma fotografia mais discreta, não procurando belos planos e composições – “planos de perfumaria”, sem função narrativa, apenas estética – eles estavam mais interessados no que as imagens contavam, e não em derivações e múltiplas interpretações a partir da película. Nesse aspecto, ele se aproxima de Primary e Don’t Look Back, mas se afasta, logo em seguida, pois não acompanha uma personalidade pública, famosa, e sim pessoas comuns.

Um dos pontos que permite maior debate sobre o filme é: ele teria funcionado se Paul não tivesse passado por essa crise ao longo das gravações? Afinal, ele é o personagem principal, a linha guia da obra! Sua estrutura mistura o dia-a-dia dos quatro, a conferência em Boston, as tentativas de venda e, especialmente, Paul.

Por fim, um dos símbolos máximos do filme são as portas. Elas representam a construção de uma conexão, e na maioria das vezes, o que Paul encontra são portas fechadas.

O filme deseja tratar da falência do “american dream”. Todo o tempo, Paul parece tentar se aproximar das pessoas – na última casa, por exemplo, ao invés de se concentrar na venda, ele presta atenção e brinca com a criança. Mas esse  vínculo é impossibilitado pelas relações criadas pelos negócios. Eles estão sempre representando, quando tentam fazer uma venda. A linguagem dos negócios acaba com a identidade das pessoas. Se eles fracassam, a culpa é inteiramente individual.