Anamorphic Day-to-Day

Proposta de Fotografia: Sinistro

May 23, 2013

Senhoras e senhores, estou de volta com um post gigante que, não por acaso, também é minha proposta de TCC, que é a fotografia do curta Sinistro – roteiro do Cauê Shimoda e direção da Mariani Ohno – como plataforma para um desenvolvimento teórico sobre a utilização de lentes anamórficas no nosso mercado de baixo orçamento e como isso confere (ou não) um visual mais cinematográfico ao produto.

Devo admitir que a proposta já passou por algumas mudanças em relação à versão postada, mas é que ainda não escrevi a nova. Basicamente são derivações de a 5D3 gravando RAW, e ampliando a janela de captura para o filme. O roteiro do link acima também é uma versão mais nova que a analisada cena-a-cena lá embaixo, então esse AQUI é o roteiro da análise (só pra tudo fazer sentido).

Agora vocês me perguntam por que diabos eu estou postando isso. Bom, aula passada – ontem – foi o último feedback dos professores sobre as propostas de TCC prático. O meu é o único prático que se associa a um projeto, e não é um projeto novo. Falou-se bastante do roteiro, mas nem UMA palavra sequer sobre a fotografia. São várias páginas, referências e o diabo. Se alguém tiver curiosidade e bom coração para ler e me dar qualquer retorno, sou eternamente grato!

Agora, vamos ao que interessa.

PROPOSTA DE FOTOGRAFIA.

Sinistro é um filme de atmosfera sombria, muita tensão e, em quase todo o tempo, uma sombra sempre presente, seja ela da Mãe ou do Pai. Por conta disso, a direção de fotografia pede bastante contraste. Luzes duras em sua maioria, mas, ainda mais importante, fontes de luz escassas, diegéticas e muito bem posicionadas. Como todo o filme é uma série de internas noturnas, é possível de se atingir esse objetivo através do uso de luminárias, abajures, monitores, telas e outras fontes de luz menos usuais, trabalhando constantemente em parceria com a direção de Arte para um visual estilizado, realista e marcante, com grandes áreas de sombra.

Anjo, a protagonista, é uma garota de nove anos, portanto, bem mais baixinha que uma pessoa adulta. O posicionamento da câmera deve se dar com base na altura da garota, que frequentemente vê as coisas de baixo para cima – especialmente a Mãe, reforçando seu aspecto opressor através de contra-plongées. O estilo de câmera também não combina com planos fixos nem muito estáveis, uma vez que eles passam mais segurança e tranquilidade do que a instabilidade da câmera na mão, ainda que para planos “fixos”.

É um filme de planos próximos e detalhes, muito mais que gerais ou movimentos, porque com isso aumentamos a atmosfera de suspense em relação a tudo que está fora do quadro ao mesmo tempo que capturamos a essência mais clara da interpretação dos atores, sua tensão e pontos de vista.

O visual não é de cores vibrantes, mas permite uma grande dualidade entre o amarelo tradicional das lâmpadas de tungstênio – como lâmpadas de casa normais – e azul, de telas e monitores, cozinha, e ocasionalmente banheiros, se alternando nas áreas de maior ou menor brilho.

Como diferencial técnico-estético, proponho a utilização de lentes anamórficas em combinação com câmeras digitais DSLR de última geração, como a 5D MkIII, que tem excelente desempenho nas condições luminosas pretendidas para o filme, diminuindo o volume de equipamento – e também o tamanho da equipe de Fotografia. A taxa de quadros será 24p. As lentes trazem como vantagem uma alteração no formato tradicional da janela (widescreen 16:9), para um formato mais comprido, na proporção 2.66:1 – um pouco maior que o Cinemascope – e fortalecendo a sensação de ficção, cinema, fugindo do visual de TV e vídeo mais comum na internet.

UM POUCO MAIS SOBRE AS LENTES UTILIZADAS, SUAS VANTAGENS E LIMITAÇÕES.

Uma das grandes vantagens das câmeras modernas é que se pode adaptar quase todos os tipos de lente para funcionar de forma adequada. A partir dessa possibilidade, e de testes e pesquisas que tenho levado a cabo desde Julho do ano passado, no processo de captação do Sinistro, utilizaremos um set pequeno de lentes fixas. São elas 38mm, 58mm, 85mm e 135mm. Todas produzidas pela Zenit, fabricante russa, e datadas da década de 1970.

Seu encaixe, M42, é um dos mais comuns na história da fotografia, criado por Carl Zeiss em 1938, e adotado por diversos fabricantes (Zenit, Praktica, Pentax, Voigtlander, etc) até meados de 2007, mas particularmente comum em 1970. Sua simplicidade é um fator de grande importância, assim como a enorme disponibilidade de lentes. O adaptador para Canon EOS é igualmente simples, e descarta a necessidade de qualquer correção óptica.

Uma grande vantagem desse set russo que utilizaremos é a suavidade no anel de abertura, permitindo mudanças durante os planos de forma imperceptível, como uma lente de cinema, e não com os cliques tão tradicionais da fotografia e das lentes modernas. O fato de seu projeto óptico ser tão simples colabora imensamente com as anamórficas que utilizaremos.

Diferentemente das lentes anamórficas utilizadas no modelo vigente de cinema, as que utilizarei funcionam como “adaptadores”, rosqueados na frente das lentes base (as russas). Existem uma série de modelos e workflows diferentes. De Agosto/2012 até o presente momento, já experimentei todos eles e desenvolvi pequenos projetos com cada um, explorando minuciosamente suas vantagens e desvantagens. Nesse processo, cheguei à escolha dos Iscoramas como melhores candidatos em termos de qualidade e facilidade de trabalhar, para levar adiante na fotografia do Sinistro.

Os Iscoramas foram projetados pela fabricante alemã ISCO Optiks (atualmente Schneider), durante a década de 1980. Devido a um desenho único – e uma patente inquebrável – o mecanismo de foco dessas lentes é diferente de todas as outras anamórficas. Seu funcionamento é completamente singular: primeiro, a lente base deve ser focada no infinito, e em seguida o Iscorama é acoplado em sua frente. Ele possui um anel de foco próprio, e travas para alinhamento do squeeze, que é de 1.5x (resultando num quadro de 2.66:1).

Disponho de três tipos de Iscoramas para utilização no filme. A primeira é um Iscorama 36 (o nome é derivado do tamanho do elemento traseiro, em milímetros) modificado, que permite foco mais próximo. Com ele, é possível focar de 1,2m até o infinito. A segunda, é um Iscorama 54, bem maior e mais pesado, que permite foco de 2m até o infinito. A terceira, é um Isco Widescreen 2000, com foco fixo e funcionamento diferente. Será pouco utilizada.

Dá pra perceber que temos um problema com planos próximos. Problema este que é facilmente contornado através da utilização de dióptros (filtros close up). Também disponho de grande variedade dos mesmos, para as três lentes utilizadas. Baseado em suas forças, consigo alterar as distâncias mínimas e máximas de foco da lente e resolver quaisquer problemas com recuo – nada de derrubar as paredes da locação. Um dióptro +1, por exemplo, permite foco de 0,5 a 1m, permitindo closes bem fechados.

Como filmaremos em internas, provavelmente estaremos sempre utilizando os diótpros de baixa força (+0.5 ou +0.4) para, inclusive, melhorar a qualidade da imagem – anamórficas funcionam muito melhor quando focadas perto do infinito –, ressaltar as características das lentes e possibilitar qualquer tipo de plano, com qualquer distância entre a câmera e os personagens.

Para as imagens teste apresentadas a seguir, acabei tendo que improvisar um pouco pois boa parte dos meus dióptros estava emprestada, e o Iscorama 36 – que será nossa lente principal – está passando por reparos nos EUA. Alternei entre o uso de um dióptro +0.4 (focos mínimo e máximo a 1,2m e 2,5m, respectivamente) e um +2 (foco máximo a 0,5m). O mais longe que fiquei da personagem foi a 2m, nos planos mais abertos, que é uma distância bastante aceitável para um plano geral sem distorções causadas por lentes grande-angulares.

TESTES PARA AS CENAS DA FILHA, EM SEU QUARTO





TESTES PARA AS CENAS DA MÃE NA SALA, VENDO TV



TESTES PARA AS CENAS DA MÃE NA COZINHA



O resto das imagens de teste (todas as 23) pode ser visto AQUI!

Quanto à preocupação decorrente da utilização das anamórficas em ambientes internos, devo mencionar que é algo bastante comum – muito mais do que imaginamos – e para ilustrar com alguns exemplos, temos a seguir frames originais de A Chave Mestra (2005) e Donnie Darko (2001), que foram filmados anamórficamente, sustentando o clima desejado para Sinistro, assim como frames cortados na proporção 2.4:1 de outros filmes com tema similar e ambientação inspiradora para esta proposta (Os Outros (2001), Mama (2013), Sobrenatural (2010) e Requiem Para Um Sonho (2000)).






O resto das imagens de referência (todas as 18) pode ser visto AQUI!

Além destes frames, os testes acima já confirmam essa naturalidade do widescreen, mesmo em internas. A alteração na proporção do quadro é algo que diz respeito não só à área da Fotografia, envolvendo um trabalho conjunto com Arte e Direção. Para tal, estamos utilizando como base o capítulo Cinemascope, do livro Poetics of Cinema (2007), por David Bordwell, onde o autor traz a tona os problemas surgidos com as anamórficas e como, após algum tempo e várias tentativas, Hollywood conseguiu incorporar a nova tecnologia de forma positiva e enriquecedora, adotando essa proporção de quadro mesmo quando os filmes são feitos com lentes esféricas.

Uma dessas formas de enriquecimento proporcionado pelo quadro mais comprido é o trabalho com o espaço negativo – áreas propositalmente vazias no quadro – que, no Sinistro, serão majoritariamente escuras, colaborando com o clima de isolamento presente na casa em relação ao mundo externo e entre as próprias personagens.

Nas próximas páginas há um detalhamento da proposta de luz, cena a cena, com base no roteiro.

ANÁLISE DETALHADA, CENA A CENA, DA PROPOSTA DE FOTOGRAFIA.

CENA 1 – INT. QUARTO – NOITE

A luz principal da cena é fortemente amarela e vem de um abajur, sobre a mesa de Anjo, iluminando o lado direito de seu rosto, e criando uma luz de contorno para tudo que acontece do lado esquerdo, mas permanece na penumbra, reforçando o “mal” representado pelo fato de ser canhota. Tendo como referência uma cena de O Senhor dos Anéis, onde as duas personalidades de Gollum conversam, podemos alternar o eixo dos planos, criando uma disputa entre “fazer a tarefa” e “vontade de desenhar”.

Quando a mãe abre a porta, a mesa e o abajur estão notavelmente mais baixos que ela, fornecendo uma iluminação de baixo para cima e tornando suas feições mais assustadoras. Reforçando essa idéia, a luminosidade oscilante da TV e da sala, fornecem um contra luz macabro para aquela figura que aparece tão repentinamente.

O efeito pode ser suavizado se a mãe acende a luz do quarto, diminuindo o contraste da cena de forma geral, mas sua apresentação e a da garota são bem marcantes. Com a diminuição no nível de contraste causado pela nova luz acesa do quarto, o clima de suspense/terror se suaviza e o diálogo das duas acontece.

A mãe apaga a luz ao sair do quarto, retornando o clima de tensão para a ação do desenho da garota. Essa ação de ligar e desligar a luz vai se repetir toda vez que ela entrar ou sair do quarto.

CENA 2 – INT. SALA – NOITE

A sala é iluminada apenas pelo brilho da TV e de uma luminária ao lado do sofá onde a mãe fica. Esse ambiente é azul esverdeado, em contraste com os tons mais quentes do quarto da garota. A intermitência de intensidade no brilho da TV aumenta a tensão e a dinâmica do plano, fazendo com que algumas expressões da mãe sejam ressaltadas e outras ocultas. Essa fonte de luz é a principal da cena, e também está abaixo do nível dos olhos do personagem, reforçando o visual macabro de sua apresentação, apenas de forma menos acentuada.

As duas primeiras ações do marido – entrar em casa e abrir a geladeira – têm conseqüências na iluminação dos planos, com fachos de luz amarela muito bem definidos entrando e saindo dos enquadramentos da mãe.

Uma sugestão de referência, caso tenhamos planos cobrindo as ações do Marido sem revelá-lo, é a abertura da série Dexter, que traz uma série de ações rotineiras, a partir de pontos de vista muito extremos, no caso, detalhes super-próximos.

Também há um vazamento de luz amarela quando o Marido abre e fecha a porta do quarto da garota. Esses fachos de luz devem ser sutis para não ficarem artificiais ou conceituais demais. É preciso dizer também que dependem bastante da arquitetura da casa.

Na breve ação da mãe ordenando à filha que vá se deitar, a configuração de luz da primeira cena permanece, com a exceção de que, dessa vez, a mãe não acende a luz do quarto. Sua fala de “não desobedeça”, com a luz vinda de baixo a torna realmente ameaçadora.

CENA 3 – INT. QUARTO – NOITE

No começo da cena, a luz é proveniente da janela da garota, com fachos que percorrem o teto, vindos de faróis passando na rua lá embaixo. Quando ela levanta e acende a luminária – que fica num criado mudo ao lado da cama – esta ilumina o seu lado esquerdo, e é bem mais suave que o abajur da mesa. A luminária cria uma espécie de “bolha” de luz, que ilumina só um pouco da cama e quase nada do resto do ambiente.

Enquanto se levanta da cama e pega seu caderno e lápis, Anjo é uma silhueta no quadro, voltando a ter expressões visíveis quando se encosta na cama e abre o caderno com os desenhos. Vemos o lado esquerdo de seu rosto sereno e feliz, iluminado, enquanto ela termina o desenho.

CENA 4 – INT. QUARTO – NOITE

Enquanto lê na cama, a luz vem apenas da luminária do criado mudo, ao ouvir a aproximação da mãe, a garota apaga essa luminária e acende a da mesa, sentando-se em seguida. Temos um breve instante de escuro total entre o apagar de uma e acender da outra.

Novamente a mãe acende a luz do quarto quando entra, e apaga quando sai. Boa parte da ação de amarrar o braço da garota tem como luz principal o contraluz gerado pelo abajur, e preenchimento da luz do quarto. Ainda assim, é algo escuro, perigoso, não-natural e que deve ser combatido.

CENA 5 – INT. QUARTO DA MÃE – NOITE

A luz principal dessa cena vem de algumas luzes na penteadeira, similar àquelas de teatro. Temos três lâmpadas acesas e mais algumas queimadas. As que estão acesas são fluorescentes, esverdeadas, e as queimadas são lâmpadas comuns, de tungstênio.

Enquanto pega o vestido no armário, a Mãe é iluminada lateralmente, reforçando a textura de sua pele e cabelos. Quando vai para a penteadeira, duas das lâmpadas que funcionam estão abaixo do nível de seus olhos, e uma acima, de forma que suas feições ficam mais distorcidas devido à esse posicionamento.

CENA 6 – INT. SALA – NOITE

Similar à Cena 4, mas a passagem da silhueta do pai pelo sofá e pela mãe é reforçada pelo contraluz gerado pela TV. Nada dele é visível, apenas seu contorno, grande e desfocado.

CENA 7 – INT. QUARTO – NOITE

Anjo só tem a luz do abajur na mesa acesa, como sempre. A mãe não acende a luz do quarto quando entra, ficando cada vez mais assustadora conforme briga com a garota, e apaga o abajur quando sai. O plano de sua saída termina no breu total, quando a porta se fecha, eliminando o facho de luz azul esverdeada que vem da TV.

Antes de a porta se fechar, vemos a silhueta perfeita de Anjo em relação ao fundo iluminado da sala. Com esse plano de “um quadro dentro de um quadro”, enfatizamos o quanto esse lado da garota representa o mal para a mãe, e como sem a luz do abajur que ilumina seus desenhos ela está mergulhada na escuridão e incompreensão de sua mãe – representada pela dualidade das cores dos dois ambientes.

CENA 8 – INT. COZINHA – NOITE

A luz da cozinha é fluorescente e suave, dando uma tonalidade mórbida não só à pele da Mãe, como também aos alimentos sendo preparados. Podemos ter um plano onde ela acende o fogão usando um fósforo, e algo especial nesse único plano, onde a mãe se relaciona diretamente com uma fonte de luz parecida com a de Anjo.

Fora esse momento, o clima da cena é de desolação, planos mais fechados e enfatizando negativamente as texturas da pele, da faca, tábua, o fogão e os alimentos sendo preparados. Para reforçar essas texturas, pretendo ter uma luz mais dura, misturada discretamente com a luz principal e suave.

CENA 9 – INT. QUARTO – NOITE

Anjo perambula pelo quarto, oscilando entre as áreas de luz e sombra entre as duas luminárias – da mesa e do criado mudo. Passando por silhueta em certos momentos, e com expressões bem visíveis em outros, antes da entrada da Mãe.

Nessa cena a Mãe está mais calma, e acende a luz do quarto, diminuindo o contraste da cena.

CENA 10 – INT. QUARTO DA MÃE – NOITE

Seguindo o estilo da Cena 5, a luz vem da penteadeira e suas poucas lâmpadas que funcionam. Temos planos detalhes mais contrastados que reforçam a textura e as cores da maquiagem que está sendo passada, e os cabelos escovados. Ao terminar de se arrumar, podemos dizer que ela está realmente assustadora sob aquela iluminação.

CENA 11 – INT. CORREDOR – NOITE

Ao sair do quarto, a Mãe não apaga as luzes da penteadeira, que justificam o contraluz vindo de seu quarto. Se tivermos algum preenchimento, será no estilo da luz produzida pela TV, tremeluzente e fraca, ambas esverdeadas. Vemos a silhueta da Mãe se deslocando desde o seu quarto até a porta de Anjo e encostando para ouvir. Não temos muito detalhe de suas expressões, mas o desenho de seu corpo é incômodo.

Em seguida, ela se desencosta da porta e continua seu caminho para a sala, aumentando a proporção de sombras no quadro à medida que encobre a luz vinda de seu quarto.

CENA 12 – INT. COZINHA – NOITE

Segue a mesma orientação da Cena 8. Texturas, luz mais suave e bem esverdeada. Detalhes das unhas roídas, ásperas, agressivas.

CENA 13 – INT. QUARTO – NOITE

Anjo move o abajur para o lado esquerdo da mesa, afastando-o da porta, e sua potência está reduzida. Temos uma “bolha” de luz ao redor da garota, onde vemos pouquíssimas coisas no quarto além de onde ela está. O abajur agora ilumina o lado esquerdo de seu rosto, onde temos um resultado parecido com o da Cena 3, onde ela desenha na cama.

As cores do desenho são muito vivas e quentes.

CENA 14 – INT. COZINHA – NOITE

Um mix das Cenas 12 e 11, combinando o ambiente da cozinha e do corredor. Dessa vez, como a luz da cozinha está acesa, há um maior preenchimento no rosto da Mãe e conseguimos ler sua expressão de raiva enquanto confirma que a filha está acordada. É possível ver um fraco traço de luz amarela por debaixo da porta da garota. Conforme a Mãe abre a porta para entrar, com cuidado, esse facho se intensifica, envolvendo o corredor e engolfando a Mãe: aquilo não é algo que ela consegue controlar.

CENA 15 – INT. QUARTO – NOITE

Similar à Cena 7, temos maior movimentação de Anjo e da Mãe ao redor da mesa, cada uma visível de uma forma particular devido à posição do abajur. A câmera aqui é bem instável, com movimentos rápidos e se comportando simultaneamente como as duas personagens, assustada e agressiva.

É fundamental falar da importância dos closes de ambas nessa cena. Anjo tenta reagir, mas a Mãe é muito mais forte e a subjuga física e psicologicamente.

CENA 16 – INT. COZINHA – NOITE

É uma cena claustrofóbica. No plano principal, temos uma composição desequilibrada, com a mesa no centro, a Mãe sentada em uma das pontas (esquerda ou direita) e a cadeira vazia do Marido do lado oposto. Todo o resto é espelhado nos menores detalhes. O relógio se encontra no centro do plano, exatamente entre as duas cadeiras, na parede.

Temos paredes atrás da cadeira da Mãe e da cadeira vazia, de forma que é possível nesse mesmo quadro, ver toda ação do seu acesso de fúria de jogar o prato através da mesa e espatifá-lo na parede.

CENA 17 – INT. QUARTO – NOITE

Anjo acende a luminária do criado mudo. Sua movimentação é silhuetada. Vemos a luz do banheiro se acender, lançando um facho luminoso no quarto, com a sombra da garota no chão. Ela não quer que sua Mãe a veja, e portanto deve se mover pelas sombras.

CENA 18 – INT. BANHEIRO – NOITE.

A luz do banheiro é daquelas que ficam em cima do espelho, e não no teto. É bem marcada, com bastante contraste.

Em algum momento durante o começo dessa cena – antes da Mãe aparecer – a luz do quarto, ao fundo, muda, pois a Mãe derruba a luminária em sua passagem, tornando-se mais forte e piscando ocasionalmente. Não é algo que chame muita atenção, mas é um ponto de tensão definido por uma mudança da luz, percebido apenas pelo espectador e não pela personagem. Também é importante para justificativar a iluminação da Cena 20, no quarto.

Quando a Mãe aparece na porta, a vemos em contraplongée, muito assustadora, com referência da garota. Ela fala. O plano de reação da garota é um plongée radical, por cima do ombro da Mãe. Anjo está bem pequena, e o facão, suspenso no ar próximo da câmera, muito maior e ameaçador.

CENA 19 – INT. BANHEIRO – NOITE

A limpeza do banheiro pode ser muito eficientemente mostrada através de planos detalhes, com vermelhos muito saturados, e a luz contrastada do espelho.

CENA 20 – INT. QUARTO – NOITE

Na última cena, aquela luminária derrubada pela Mãe quando entra no quarto é a luz principal, iluminando todo o quarto de baixo para cima e aumentando o clima sobrenatural e incrível dos acontecimentos. A luz é intensa e amarela, a lâmpada está exposta, e não mais coberta pela tampa semi-transparente que a suavizava (tampa de abajur mesmo).

Essa luz agora apresenta um mal contato e pisca ocasionalmente, acelerando mais ainda a tensão presente na surpresa final.

Conforme a Mãe sai do banheiro, por ser bem mais alta que a garota, e já estar mais distante da luz do banheiro, temos o desenho da porta na parede, e sua sombra se aproximando, antes mesmo de ela entrar em quadro.

BIBLIOGRAFIA

Sobre Lentes Anamórficas

BORDWELL, David. Poetics of Cinema – Chapter 10: Cinemascope. EUA: Routledge, 2007

REID, Andrew. Anamorphic Shooter’s Guide, 2nd Edition. EUA: EOSHD, 2011

Fórum EOSHD: Anamorphic

Sobre a proposta de camera, luz e utilização de DSLRs

MASCHWITZ, Stu. The DV Rebel’s Guide. California: Peachpit Press, 2007

BROWN, Blain. Cinematography: Theory and Practice: Image Making for Cinematographers and Directors. EUA: Focal Press, 2011

LANCASTER, Kurt. DSLR Cinema: Crafting the Film Look with Large Sensor Video Cameras. EUA: Focal Press, 2012

  • Felipe Albanit May 28, 2013 at 12:29 pm

    Chefe, se você tiver 5min algum dia, gostaria de conversar sobre isso tudo!

  • Tito Ferradans May 28, 2013 at 1:45 pm

    Mas é claro, chefe! Ainda mais porque você ESTARÁ na equipe! hahaha :P