Day-to-Day

UP04 – Lens Whacking

August 31, 2013

Lens whacking é uma experiência visual viciante. Há uma textura nostálgica, onírica, de memória ou sonho há muito esquecidos, onde poucas coisas são importantes e todo o resto é fluido e luminoso, difícil até de descrever.

Quando uma lente está encaixada na câmera, os únicos raios de luz que chegam ao sensor são através dela. Mas se a lente não está encaixada os raios de luz entram pelo vão do encaixe e incidem diretamente sobre o sensor, produzindo artefatos diferentes de qualquer flare normal. Nessa abordagem todo o processo de foco é manual, aproximando ou afastando a lente do sensor: poucos milímetros de afastamento são suficientes para o foco percorrer vários metros. E, para foco mais próximo, mais distante a lente estará do sensor, deixando mais luz entrar clandestinamente e reforçando a sensação visual.

Tecnicamente, são utilizadas lentes em que a distância para a formação de imagem em foco sobre o sensor seja maior do que a distância do encaixe padrão da câmera. O grande truque é não usar adaptadores.

Com o foco no infinito e a íris toda aberta, segure a câmera com uma mão e a lente com a outra. É praticamente impossível alinhá-la perfeitamente com o sensor. Uma vez que o plano de foco não coincide com o plano do sensor, é possível, por exemplo, ter assuntos a uma mesma distância onde um está focado e outro não, dependendo da inclinação da lente (similar a uma tilt-shift).

Câmeras digitais são mais adequadas, pois há a opção de monitorar a imagem pelo LCD, especialmente nos modos de vídeo. É possível ter maior controle sobre a luz que entra direto mudando o posicionamento das mãos de forma a cobrir parcialmente o vão entre a lente e o encaixe. Vale lembrar que não é só a luz entra pelas brechas, pó também passa e acaba caindo sobre o sensor.

Riscos à parte, impossível negar a força da conexão criada entre as imagens produzidas e as áreas menos racionais de nossa mente. Uma espécie de transe se estabelece e não dá pra largar a câmera antes de experimentar um bocado. Às vezes a ideia não é nem fazer uma imagem específica, mas brincar com a fluidez hipnótica, aleatória e envolvente que transforma o mundo claro e rígido à nossa frente num agradável caleidoscópio.


Coluna Ultrapassagem, Publicada originalmente na Revista OLD #18, em Fevereiro/2013