Day-to-Day

UP11 – Fisheye

June 16, 2014

Quando eu era pequeno, morávamos num apartamento em Salvador. Ocasionalmente, recebíamos visitas, e meus pais logo me ensinaram que antes de abrir a porta, era muito importante ver quem estava lá fora. Para isso, instalaram um olho mágico bem baixinho, quase no meio da porta, de forma que eu minha irmã pudéssemos alcançá-lo. Desde sempre eu achei esse aparato muito curioso, porque quando olhava por ali, via todo o hall do elevador, e a pessoa que estava ali fora, dos pés à cabeça. Quando abria a porta, sem mexer a cabeça mal conseguia ver metade da pessoa, quanto mais o hall e os sapatos de quem tava ali, tudo de uma vez! Como então, com aquele vidrinho mixuruca, minha visão era tão ampliada?

Só foi muitos anos depois, quando comecei a me interessar pela fotografia, que essa questão voltou à tona com as famigeradas lentes Olho de Peixe. Pouca gente já usou de fato uma dessas, mas todo mundo, sem exceções, sabe o que elas fazem. Essas lentes imitam o que seria o campo de visão dos olhos de um peixe embaixo d’água, com aproximadamente 180 graus, obtidos através de intensas distorções. O termo foi cunhado por Robert W. Wood, seu inventor, em 1906, e apesar do nome relacionado a água, sua primeira utilização foi para o estudo meteorológico de formações de nuvens.

Existem dois tipos de Olho de Peixe, a primeira produz uma imagem perfeitamente redonda, com bordas pretas. A segunda, é capaz de cobrir todo o sensor/filme. Vamos falar mais do segundo tipo, porque seu uso é mais comum e variado. O ponto em comum entre as duas, além do enorme ângulo de visão, é que ambas atingem esses resultados dobrando as linhas de perspectiva e produzindo imagens não-retilíneas. Essas imagens tem uma enorme carga dramática quando bem executadas, e permitem fotografias incríveis dentro de espaços minúsculos como armários, elevadores ou eletrodomésticos (!), passando a sensação de que o espaço é bem maior do que na realidade.

A Olho de Peixe cai na categoria de super grande-angular e funciona de forma semelhante ao conjunto dos nossos olhos. Quanto mais próximo um objeto se encontra da lente, maior ele parece em relação ao ambiente, exatamente como acontece na nossa visão, sem falar no ângulo, que é tão parecido que, quando um filme (ou jogo) tem como objetivo provocar a imersão em primeira pessoa, colocando o espectador no lugar do personagem, é a Olho de Peixe que é utilizada, e vemos braços, mãos e pernas do personagem como se fossem nossos. É por essa imersão que atualmente as Olho de Peixe têm sido tão empregadas em câmeras de esportes radicais e aventura, como a famosíssima GoPro. Ao assistir um desses vídeos, você sente a adrenalina bombando nas veias porque a lente te transporta para dentro daquilo que está acontecendo na tela.

Utilizar essas lentes também envolve alguns cuidados especiais, principalmente no que diz respeito ao que está em quadro como: pés, tripés e dedos. Estes três são particularmente propensos a aparecerem como convidados indesejados nas fotos. Uma vez que a perspectiva é tão diferente de uma lente normal, acabamos não prestando atenção nesses detalhes até a hora de tratar as imagens. É preciso atenção com a mão que faz foco, porque é bem fácil de algum dedo acabar aparecendo, sem falar nas pernas do tripé que sustentam a câmera, ou as suas próprias pernas. Já fui vítima de todos esses indesejados e, acreditem, é muito chato tentar resolver isso na pós-produção.

Outra coisa bem diferente é a profundidade de campo, que é enorme, e temos foco desde coisas muito próximas da câmera até onde a vista alcança. Isso pode ser um tanto incômodo a princípio, mas depois que nos acostumamos à estética da lente, é uma excelente ferramenta para acrescentar informação e narrativa às imagens.

Uma das mais famosas Olho de Peixe foi fabricada pela Nikon, na década de 1970, para uma expedição à Antártida. A lente pesa mais de cinco quilos e tem vinte e três centímetros de diâmetro. Sua distância focal é de 6mm e tem um ângulo de visão de 220 graus. Dessa forma, era possível fazer uma foto apontando diretamente para cima, e ao mesmo tempo capturar um grande panorama do chão ao redor da câmera até o horizonte em todas as direções. A título de curiosidade: essa lente foi recentemente vendida por mais de 150 mil dólares!


Coluna Ultrapassagem, Publicada originalmente na Revista OLD #25, em Setembro/2013