Day-to-Day

Absolutamente Certo!

June 21, 2010

Absolutamente Certo estreou nos cinemas brasileiros em 1957, e também marca a estréia de  Anselmo Duarte como diretor. Ele também escreveu o roteiro e atuou em seu próprio filme. Anselmo Duarte entrou no mundo do cinema em 1942, no filme de Orson Welles, It’s All True. Em 1949, estrela Carnaval de Fogo e torna-se grande galã do cinema nacional. É contratado pela Vera Cruz em 1952,  onde aparece, entre outros filmes, em Tico-Tico no Fubá (1952) e Sinhá Moça (1953). Anos mais tarde, em 1962, ganharia a Palma de Ouro em Cannes, com O Pagador de Promessas, baseado na obra homônima de Dias Gomes.

Em muitos aspectos, Absolutamente Certo entra na classificação de chanchada (gênero cinematográfico de grande sucesso no país), como o perigo corrido pelo mocinho e mocinha, as músicas inseridas em meio à história,  o vilão terrível e o suspense que precede o final feliz, confirmado com uma luta aberta entre mocinho e vilão. No caso, vilões, e amigos do mocinho também. Foi grande sucesso de bilheteria quando estreou nos cinemas, garantindo seu lugar entre os “clássicos” do cinema nacional.

Alguns (vários) pontos ao longo da obra são dignos de destaque. Logo de começo, o título do filme é o nome de um programa de televisão do qual participará o personagem. É a época de afirmação que precede a popularização da TV no Brasil, e isso é muito bem ilustrado pela grande quantidade de pessoas que se reúne em frente ao aparelho, todos os dias, na casa de Dona Vera (interpretada por Dercy Gonçalves), mediante pagamento de cinco cruzeiros para assistir os programas. Dona Vera é a “televizinha”, figura muitas vezes só aturada por conta da televisão que possui. Como mencionado no filme e nos textos já lidos ao longo do semestre, eram populares na televisão os jogos de futebol, esportes em geral, números musicais e programas de auditório, entre eles os do tipo perguntas e respostas relacionadas a cultura, onde pessoas comuns podiam fazer fortuna da noite para o dia. Absolutamente Certo é um desses programas, e o protagonista, Zé do Lino (Anselmo Duarte) – um linotiposta – irá participar, por saber de cor toda a lista telefônica.

Zé do Lino sabe de cor toda a lista telefônica de São Paulo, mas não tem um telefone. Exemplifica também esse momento histórico, onde as pessoas esperavam anos e pagavam fortunas até que conseguissem uma linha em casa. O momento da trama em que isso é colocado precede a primeira música da obra, que entra de forma muito estranha e anti-natural.

As músicas, entremeadas no filme, não se encaixam na trama, sendo apenas espetáculos à parte, quase sempre mal contextualizados ou absolutamente fora de contexto. É um dos pontos que menos me agradou no filme, além da excessiva carga politicamente correta/”tudo dá certo no final”. Com a entrada do dinheiro, fornecido por Raul, Zé vai se tornando arrogante (num processo não muito bem acompanhado na trama), mas seu velho pai, numa cadeira de rodas, o lembra que ele era melhor antes de “a glória lhe subir à cabeça!” – e por conseqüência, o dinheiro também. A humildade então é colocada como grande virtude, assim como a unidade familiar. Ele insiste em afirmar que os futuros sogros estão sempre errados, e o pai o corrige, dizendo que, ali, o errado é ele.

O próprio Zé do Lino, quando confrontado com a possibilidade de ganhar dois milhões de cruzeiros para errar a última pergunta, diz que “prefere ganhar um milhão honestamente”, e apanha muito por isso. Este é o momento que o vilão se revela para o protagonista, pois até então era só um amigo rico e fiel. Ele ameaça o pai do rapaz e toda a família da noiva, assim como a própria noiva. Vale ressaltar que aqui ele é apresentado como vilão para o protagonista, mas não para o público, que já conhecia sua natureza logo nas primeiras cenas do filme.

Os próprios vilões tem um comportamento mais brasileiro, é um tipo de crime que de fato tem tradição no país (que contrapõe absolutamente o que confirmamos em Segurança Nacional, com toda a questão militar que definitivamente não faz parte da realidade brasileira), tornando as vilanias mais convincentes e “adequadas” ao contexto.

Falando dos personagens, Dona Vera e Toneco são os pais de Gina, noiva de Zé do Lino. Todas as cenas passadas na casa dessa família (ou no portão) são extremamente barulhentas, de uma gritaria incessante, discussões sem sentido e ameaças de palavrões que nunca são ditos de fato (a palavra mais ofensiva usada ao longo do filme é “bobo”). A barulheira é tamanha que facilmente me lembra programas da TV aberta que fazem algum sucesso até hoje, como Zorra Total, ou A Praça É Nossa, onde todos os personagens são caricatos, exagerados, e é pela gritaria somada aos estereotipos que se produz a graça. Modelo já meio batido e sem graça, na minha opinião, além de cansar os ouvidos.

Na primeira aparição de Zé do Lino na TV, ele, mostrando uma foto de Gina, conversa a câmera mas se dirige à garota, à sua família e ao velho pai que assiste o programa em casa. Reforça bem a imagem que as pessoas tinham de que a televisão era um elemento de comunicação bilateral, conceito bem exemplificado por Uma Aventura Aos Quarenta, onde o protagonista literalmente conversa com o apresentador. Durante o programa, enquanto Zé se esforça para confirmar o telefone de um Luciano Rigaldi, o próprio Luciano se debate em casa, a plenos pulmões com o aparelho de TV, tentando estabelecer uma comunicação através do vidro. Por fim, quando absorve que aquilo não está funcionando, ele pega o telefone e liga para o programa, corrigindo o erro que faria o protagonista perder sua chance logo na primeira tentativa. Perto do final, também, Zé dá um recado para seu pai e noiva, que ele acredita estar em cativeiro, nas mãos de Raul, dizendo que tudo vai ficar bem.

Uma situação particular que me chamou a atenção foi durante a última pergunta, de um milhão de cruzeiros, onde Zé do Lino fica pensativo por um bom tempo, considerando se responde a pergunta corretamente e arrisca a vida de seus entes queridos, ou se erra propositalmente, garantindo sua segurança e dinheiro. Nessa seqüência, vemos várias mãos de mulheres pela platéia, demonstrando tensão, e uma referência direta a Griffith em Intolerância.

Num determinado momento, enquanto Zé não voltou para casa depois do programa, Gina resolve esperá-lo na sala, enquanto seus pais vão dormir. Ela liga o rádio e Dona Vera faz um comentário que diz mais ou menos “desliga esse rádio, menina! Sabe que agora só tem tango e música americana!”. Esse comentário também nos permite perceber como a programação do rádio já era estruturada na época, seguindo padrões de horário predeterminados, não mais sujeita à inconstância do momento de seu surgimento e primeiros anos. A noite já ia tarde, portanto a TV não tinha mais transmissão, e sobrava apenas o rádio como meio de entretenimento e comunicação.

Outro ponto que me chamou atenção foram as lutas, que são bem coreografadas, mas se estendem demais, a partir do momento em que Zé do Lino é capturado e surrado, para errar a pergunta no programa. Daí pra frente, temos inúmeras pancadarias, até bem estruturadas, mas em planos muito abertos que não criam a real emoção de combate que vemos nos filmes atuais. E metade da pancadaria era dispensável. O fim também é muito estranho, quando mais de uma dezena de homens invade o palco do show, inclusive, um deles está armado, e começa o maior quebra-pau, no qual a platéia fica impassível, só assistindo, sem correr ou tomar partido. No fim, o apresentador fecha o show como se nada daquilo tivesse acontecido, ninguém menciona polícia, nem se dá ao trabalho de tentar entender a pancadaria.

O figurino é muito bem feito, caracterizando de forma eficiente cada núcleo da trama (vilões, família da noiva, família de Zé, funcionários da TV, funcionários da gráfica) e facilitando a diferenciação dos personagens, que ainda são um tanto semelhantes no tipo físico e corte de cabelo por exemplo (vale também para as mulheres, mas se aplica com mais eficiência aos homens, todos muito parecidos fisicamente).

Em termos técnicos, a imagem é impecável. Vemos inúmeros movimentos de câmera perfeitamente realizados pela equipe de fotografia liderada pelo técnico internacional Chick Fowle, característica que depois seria execrada pelos relacionados ao Cinema Novo, que achavam aquilo tudo muito artificial, falso, e que a fotografia de verdade deveria ser feita por um homem só, com a câmera na mão. Prefiro a artificialidade bem realizada. A técnica tem que passar imperceptível em meio à trama. O som não é tão impressionante como a imagem, sendo um tanto complicado de entender em alguns momentos. Os volumes das vozes oscilam e se cruzam de forma estranha. Não sei se era assim já na versão original, ou se na versão que eu assisti.

Apesar das lutas sem nexo e das músicas ainda mais sem nexo, gostei bastante de Absolutamente Certo, e consegui ser convencido pela trama, nunca afetada pela qualidade técnica, ou más atuações – realmente, Anselmo Duarte consegue desempenhar um bom papel de diretor-ator, coisa bastante incomum, pois geralmente uma das funções acaba se destacando. Realizado de forma profissional, voltado para o interesse do público, não é de se estranhar que tenha entrado para o “hall da fama” do cinema brasileiro.