Day-to-Day

Analisando o Western.

November 29, 2010

FILMES ESCOLHIDOS: No Tempo das Diligências (1939) e Era Uma Vez no Oeste (1968).

“Existe, é claro, um número de enredos que sempre aparecem, filme após filme. Temos aquele em que um oficial da cavalaria, preconceituosos e geralmente disciplinado, é advertido para não começar uma ‘guerra final conta os índios’. Ou, então, aquele em que um pistoleiro aposentado (ou um ex-xerife) é persuadido relutantemente, a aceitar a responsabilidade de ‘limpar’ a cidade. Mas usar tais estruturas como base para a definição de gênero acabaria levando não a um único gênero chamado western, mas a um número quase infinito de subgêneros” (BUSCOMBE, 2004, p. 306)

Buscombe também diz “acreditamos que o gênero deva ser concebido como um grupo de obras literárias baseado, teoricamente, tanto nas formas externas (métrica ou estrutura específicas) como internas (atitude, tom objetivo – de modo mais direto, conteúdo e público).” O western é um gênero que tem suas convenções muitíssimo bem definidas, e seu universo de elementos é incrivelmente amplo. Como Buscombe afirma no extrato acima, existem algumas tramas bastante recorrentes, mas além delas uma série de traços é sempre presente, ainda que com variações sutis. No Tempo das Diligências e Era Uma Vez no Oeste se encaixam no gênero, e dá pra perceber isso só lendo os títulos.

A presença da natureza é marcante em todo western. Em No Tempo das Diligências, as cidades do Oeste são tão isoladas – sem ferrovias ou estradas que as conectem -, que são necessárias longas jornadas pelo deserto para ir de um lugar a outro, essa questão apresenta também o tema da Viagem, que será tratado mais adiante.

Para intensificar essa presença da natureza – ou wilderness – temos grandes planos gerais, que tornam a diligência insignificante perante o meio. “As paisagens imensas de prados, desertos e rochedos, onde se agarra, precária, a cidade de madeira, ameba primitiva de uma civilização, estão abertas a todas as possibilidades” a colocação de André Bazin é confirmada em cada parada que a diligência faz. Apache Wells é tão distante da civilização que seu personagem mais importante é um mexicano, casado com uma índia apache. Os apaches são a grande ameaça – é bastante comum usar o índio como uma espécie de guerreiro em comunhão com a natureza, enquanto que, do lado da civilização, os guerreiros são os soldados. Enquanto eles estão parados em Apache Wells, o uivo dos coiotes incita o terror no pequeno grupo, porque a natureza é assustadora.

Em Era Uma Vez No Oeste, temos também a presença dos planos gerais que tornam os humanos insignificantes – a apresentação de Sweet Water, por exemplo, onde vemos que a casa não passa de um ponto em meio à aridez que a cerca. De acordo com André Bazin, “somente os homens fortes, rudes e corajosos podiam conquistar essas paisagens virgens”, são os cowboys, os soldados e os foras-da-lei. Não há índios, porque no universo de Leone, a civilização é mais selvagem que a natureza. A única referência aos nativos é o nome de Cheyenne, que passa muito longe de ser índio.

Buscombe afirma em A idéia de gênero no cinema americano que “por causa do cenário, um western certamente será bem sucedido se tratar de histórias sobre a luta entre o homem e a natureza e sobre o estabelecimento de uma civilização”. O filme de Sergio Leone entra direto nesse tema. A trama é marcada pelo andamento da ferrovia, que atravessa o país, partindo do Oceano Atlântico em direção ao Pacífico, cortando todo o Oeste. O crescimento da ferrovia é levado adiante por Morton, que tem entre seus capangas, o grupo de Frank, que tira os indesejáveis do caminho dos trilhos – mesmo que para isso seja necessário matar crianças, o que marca a cena inicial.

Seguindo com o filme, após o extermínio da família McBain, Jill chega à cidade, e depois de muito esperar alguém buscá-la pega uma carroça para Sweet Water. No caminho, o motorista fala da ironia do nome do lugar, diz que a cidade é mais desenvolvida – quando acabamos de ver que não, num movimento de grua impressionante. Eles fazem uma parada antes de chegar à casa de McBain, e Jill comenta com o bartender, que sente falta do conforto das grandes cidades do Leste. Essas já são confirmações mais que suficientes pra afirmar que o tema da Fronteira está presente em Era Uma Vez No Oeste.

Em No Tempo das Diligências, a fronteira (com o México) está tão perto que eles constantemente fazem referências a ela, e conforme se aproximam, as coisas vão se tornando imprevisíveis. Apache Wells tem um mexicano que é casado com uma índia da mesma tribo que aterroriza a região – tanto que, em função disso, sabemos quando os apaches vão atacar, pois a esposa foge para o deserto. Numa das conversas entre Kid e Dallas, ele diz para ela atravessar a fronteira, pois do outro lado é tudo diferente, e ele irá encontrá-la depois que sair da cadeia. No fim do filme, quando ele vence o duelo e vai se despedir de Dallas, Curley e Boone fingem que estão levando Kid para a cadeia, mas então eles assustam os cavalos, e percebemos que Kid está livre – foragido, mas livre – e eles partem para a fronteira. O xerife e o médico dizem durante a conversa: “nada de cadeia para ele! Eles estarão a salvo da civilização” [do outro lado da fronteira].

Mas, para chegar até a fronteira, ou percorrer a wilderness, os westerns apresentam a Viagem. Afinal, “as cavalgadas, as brigas, homens fortes e corajosos numa paisagem de austeridade selvagem não poderiam ser suficientes para definir ou resumir o charme do gênero” (André Bazin). A viagem é outro dos elementos marcantes. Em No Tempo das Diligências, a trama toda se desenvolve durante a viagem até Lordsburg, com duas paradas (Dry Forks e Apache Wells). Claro, há diversas tensões dentro da própria Diligência, a fim de tornar essa viagem mais interessante. Curley, o xerife, fica de olho em Kid o tempo todo, e o mantém longe de armas, pois ele é um bandido. Dallas e Kid são o extremo oposto de Mrs. Marshalls e Hatfield, ricos e arrogantes.

Era Uma Vez no Oeste não tem sua trama desenvolvida em cima de uma jornada tão direta como a de No Tempo das Diligências, mas a presença de Jill é quem garante esse elemento. Ela veio do Leste, para se casar. Seu futuro marido foi assassinado, e agora ela tem que decidir entre voltar, e vender a propriedade, ou ficar. A história se desenvolve nesse intervalo em que ela está “fora de casa”, pois, ao fim do filme, ela já está em casa de novo, pois decidiu que continuará a morar ali.

A expansão das ferrovias, para substituir as diligências marca um ponto da história americana, adequando os dois filmes a mais essa temática comum nos westerns: seu embasamento em situações reais da história dos Estados Unidos. “A guerra da Secessão pertence à história do século XIX, o western fez dela a guerra de Tróia da mais moderna das epopéias. A marcha para Oeste é nossa Odisséia” (André Bazin).

Por fim, vamos caracterizar os personagens de um western, porque o gênero é um “cinema de específicas e particulares consumações formais no plano de ritmo e linguagem no momento em que a intriga passa a obedecer àquela estrutura íntima, à linha do herói que vem de longe, vive, luta, vence problemas e parte no fim para o mesmo ‘não sei’ de onde surgiu.” (The Searchers, 2001).

Nessa primeira caracterização, tanto o filme de Ford como o de Leone vão direto ao ponto. Quando são apresentados os heróis – Kid e Harmonica, respectivamente -, não sabemos de onde eles vieram, qual seu passado ou suas grandes questões. Mas, pelo seu jeito de falar e agir, percebemos que são homens bons e não muito refinados. Kid é encontrado vagando no meio do deserto e só sabemos que ele fugiu da prisão. Harmonica é sempre introduzido por sua música, tocada na gaita – é isso que o nomeia. Ao longo dos filmes, vamos confirmando a opinião inicial sobre ambos, pois ambos têm honra, coragem e não ligam muito para o que os outros pensam sobre eles.

“Nota-se, com efeito, que a divisão dos bons e dos maus só existe para os homens. As mulheres, de alto a baixo da escala social, são, de qualquer modo, dignas de amor, pelo menos de estima ou de piedade. A menor meretriz é ainda redimida pelo amor ou pela morte – essa última, aliás, lhe é poupada em No Tempo das Diligências (…). É verdade que o bom cowboy é mais ou menos reincidente e que o casamento mais moral torna-se desde então possível entre o herói e a heroína.” (BAZIN, 1991, p. 203)

Curiosamente, os dois filmes abordam a paixão entre cowboys e prostitutas, onde os cowboys escolhem ignorar o passado das garotas. No Tempo das Diligências tem um final atípico, onde ambos permanecem juntos, mas fora de alcance de outros personagens, e Era Uma Vez No Oeste, Jill vem para se casar com McBain, mas ele está morto, então ela vai desenvolvendo sentimentos ao longo do filme, até o final, onde Cheyenne diz abertamente para Jill que ele não é o homem certo, e Harmonica também não. De fato, o monólogo final de Cheyenne poderia ser facilmente transcrito aqui como a definição perfeita do herói dos westerns.

“É também provável que, dado o arsenal de armas que se vêem nos filmes, a violência tenha uma parte crucial nessas histórias. (…) Uma vez que as armas estão presentes como uma parte da estrutura formal, haverá, de maneira característica, um dilema que poderá ser resolvido somente pela violência, ou no qual o uso da violência, embora errado, seja a solução. Os personagens serão de um tipo no qual a virtude reside não nas sutilezas do intelecto, da sensibilidade ou da imaginação, mas na determinação e na capacidade de responderem por seus atos, de serem, de algum modo (não necessariamente físico), fortes.” (BUSCOMBE, 2004, p. 310)

Leone afirma que o filme é “do começo ao fim, uma dança da morte”, e isso se dá, indiscutivelmente, por conta da violência. No Tempo das Diligências tem apenas dois tiroteios – um contra os índios, e outro quando Kid chega em Lordsburg, para desafiar os Plummer – sendo que não vemos imediatamente o resultado do segundo, para aumentar a tensão. É apenas um homem contra três! E mesmo assim, o herói sai vitorioso. Era Uma Vez no Oeste é marcado por tiros a todo momento, os maiores problemas são todos resolvidos através da violência – exceto a construção da estação de trem em Sweet Water, que é solucionado através da união entre Cheyenne e Harmonica.

Depois do grande duelo entre Frank e Harmonica – onde Frank veste preto e Harmonica branco, caracterizando a dualidade entre eles – e que Frank está no chão, ainda vivo, se perguntando quem é aquele homem, e porque ele queria tanto essa vingança, Harmonica se aproxima, e temos o único flashback do filme, onde um gesto de Frank é apresentado, colocando a gaita na boca de um garoto e matando seu irmão, e então voltamos ao presente, onde Harmonica coloca a gaita na boca de Frank e ele finalmente se lembra.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

BROWNE, Nick. O espectador-no-texto: a retórica de No Tempo das Diligências. In: RAMOS, Fernão (org.) Teoria contemporânea do Cinema. Volume II Documentário e narratividade ficcional. São Paulo, Ed. Senac, 2004.

BUSCOMBE, Edward. A idéia de gênero no cinema americano. In: RAMOS, Fernão (org.) Teoria contemporânea do Cinema. Volume II Documentário e narratividade ficcional. São Paulo, Ed. Senac, 2004.

______. The Searchers. London, British Film Institute, 2001.

RIEUPEYROUT, Jean-Louis. Western ou o cinema americano por excelência. Belo Horizonte, Itatiaia, 1963.

BAZIN, André. O cinema: ensaios. São Paulo, Brasiliense, 1991.