Day-to-Day

Edge of Tomorrow.

June 26, 2014

Vi o filme já tem umas duas semanas, e queria escrever sobre como ele parece um jogo – ainda vou entrar nesse assunto -, mas nos últimos dois dias, conheci um bróder da VFS que mudou minha visão sobre jogos de forma tão radical, que esse post pode acabar ficando um pouco confuso. Por exemplo, eu sempre pensei que dizer que um jogo parece um filme, isso era um grande elogio, afinal, filmes são incríveis, certo?

Bom, mas, sendo assim, isso não derruba o propósito de ser um jogo, de ter interatividade, e escolhas, e que essas escolhas afetem o resultado final? Num filme também há escolhas, mas quando você assiste o filme pela segunda vez, as escolhas não mudam! Enquanto que, jogando pela segunda vez, você pode resolver explorar outras possibilidades, diferentes daquela que seguiu na primeira vez. Fez sentido? Se o roteiro de um jogo é MUITO bem definido, isso não é algo incrível, e sim um ponto negativo, uma vez que seu único objetivo ali é chegar ao fim da história, e fim do jogo também. Não importam as escolhas feitas, o final é um só, e é aquele para o qual você é conduzido – seja por personagens coadjuvantes, seja por um narrador, seja pela impossibilidade física de seguir caminhos diferentes (mapas muito fechados).

Dá pra argumentar que existem jogos com muitos finais diferentes, e de fato existem, mas eles são variações menores, sempre. E vou arriscar aqui e falar de Heavy Rain – que é um jogo surreal, e tem um monte de finais, e cenas diferentes, e tudo mais, mas parece muito com um filme -, onde seu objetivo é capturar um serial killer, controlando as ações de vários personagens em cenas alternadas, onde tudo converge num climax. Ok, parece bom, né? O problema é que os diferentes resultados são apenas variações da sua habilidade no jogo. Se você limpou todas as impressões digitais ou não, se você consegue operar os controles de forma ágil o suficiente para capturar um fugitivo, se é capaz de seguir as direções indicadas por um GPS, na contra-mão em alta velocidade, essas coisas. São propostas ações que devem ser executadas, mas não há muita variedade de ações simultâneas. Na perseguição, você não pode seguir por qualquer trajeto, assim como o fugitivo não age diferente baseado em sua performance. Na parte das digitais, você só pode ir tentando apagar o que lembra, não tem outra solução como, sei lá, incendiar o lugar, ou estourar um cano, quebrar as prateleiras, essas coisas.

Sei que tudo isso é foda de programar, e fazer essas possibilidades, e mesmo assim, você só teria um número X de possbilidades, previamente escritas. Tá dando pra entender onde eu quero chegar? Um dos jogos mais fáceis de usar como exemplo dessa “liberdade total” seria Minecraft. Onde você está num mundo, e pode fazer o que quiser. Se você quiser cortar uma árvore, corta. Se quiser cavar o chão até o infinito, pode. Nesse processo, pode até achar ouro, diamantes, etc. Não joguei ainda porque essas coisas de ‘possibilidades demais’ acabam me fazendo ultra-viciado, então estou evitando. Mas, por sua vez, com a liberdade, vem uma perda que é a narrativa. Não há uma narrativa pré-definida. Você pode encarar como “a vida de fulano, que precisava sobreviver e se tornar o rei do mundo”, mas não há objetivos outros além dos definidos por você mesmo, tipo a vida.

Bom, agora vamos voltar ao filme do post, porque meu desvio já foi longo por demais, começando pelo trailer.

Edge of Tomorrow (2014), é um filme dirigido por Doug Liman, com Tom Cruise e Emily Blunt, onde a humanidade está em guerra contra uma invasão alienígena (os Mimics). O trailer em si já revela que o filme explora manipulação do tempo, e não é algo incrivelmente novo, porque já tinha sido feito em 1993, em O Feitiço do Tempo (Groundhog Day), com Bill Murray e Andie MacDowell, onde o jornalista Phil Connors revive um dia que ele odeia, muitas e muitas vezes até que ele resolve fazer as coisas de um jeito diferente. É um filme genial, muito divertido, e que me surpreendeu bastante, porque quando achei que já tava acabando, e não tinha mais nada pra acontecer, que ia ficar repetitivo, ainda tinha muita coisa incrível pela frente.

Bom, em Edge of Tomorrow, o botão de reset não é o fim do dia, como em Groundhog Day. É a morte do tenente Bill Cage (Tom Cruise) no campo de batalha. E aí o dia anterior à guerra recomeça, com ele acordando num campo de preparação para o combate. Só ele sabe que o dia voltou, e o que vai acontecer no dia seguinte. E é aí que ele começa a tentar fazer as coisas de um jeito diferente. Nesse processo ele encontra Rita Vrataski, the Angel of Verdun (curiosamente, o par romântico de Phil Connors também se chama Rita, seria uma referência?), que venceu uma grande batalha contra os aliens, e ela explica para Bill o que é que tá acontecendo, e o que ele precisa fazer.

Se você viu Groundhog Day, e achou que o dia se repetia muitas vezes, em Edge of Tomorrow eles brincam com isso, inclusive com uma sequência muito original, meio remix-da-internet, meio treinamento-karatê-kid, afinal, se ele vai reviver aquele dia infinitamente, ele tem todo o tempo do mundo para treinar e ficar realmente bom em combate.

E é aí que vou retomar o assunto dos jogos. Claro, shooters. Muitas vezes você entra num tiroteio de grande escala, e não tem a menor idéia de pra onde ir, que estratégia seguir, onde se esconder, quem são seus aliados, enfim. E aí você morre. E volta para o mesmo ponto, imediatamente antes de começar a bagaceira. E aí, a cada vida, você vai aprendendo os desdobramentos da batalha, e como tirar vantagem deles. Que inimigo aparece quando, onde tá o sniper que sempre te acerta antes que você possa encontrá-lo, quem você precisa salvar pra te ajudar lá na frente, onde se proteger, etc. Tanto que, depois que você passa desse trecho inteiro pela primeira vez, passar uma segunda vez é até engraçado, onde você começa a forçar a barra, e não agir mais com agilidade, e sim com sangue frio, explodindo coisas antes mesmo de os inimigos aparecerem, já os varrendo da face da terra.

E isso é algo que acontece no filme. Bill morre MUITAS vezes no campo de batalha. E a cada tentativa, ele senta com Rita e eles elaboram diferentes estratégias e tentam prever diferentes resultados para conseguir sobreviver à praia. No filme, diferente de um jogo, quando eles saem da praia, eles ainda não estão seguros, e têm MUITAS outras escolhas pela frente, que vão acabar matando um dos dois, ou ambos. Não vou continuar contando a história porque o filme é bem divertido, e diferente do tiroteio-sem-cérebro-e-cheio-de-adrenalina que eu tava esperando (tanto que está com notas altas no IMDb e no Rotten Tomatoes).

Como se não bastasse o grande número de assuntos e coisas confusas nesse post, vou colocar mais uma, porque se relaciona com tudo, e dá um pouco de esperança para o universo dos games. E essa esperança é The Stanley Parable. Uma modificação de Half Life 2, que tem tantas narrativas possíveis e escolhas, que você se sente de alguma forma, no controle.

O jogador controla o tal Stanley, que tem todas as suas ações descritas por uma narração. Tudo vai bem, até o jogador chegar em sua primeira escolha: um par de portas, uma na direita, e uma na esquerda. A voz diz que Stanley sabe para onde quer ir, e segue pela porta da esquerda. Mas aí, cabe a VOCÊ decidir se vai mesmo fazer o que voz está sugerindo, ou se vai pela porta da direita. E, baseado nessa escolha, muitas outras vão surgindo, e você nunca sabe de fato o que aconteceria se seguisse pelo outro caminho. Todas as portas que você cruza se fecham atrás de você, e não tem como voltar atrás.

O jogo tem DEZOITO finais diferentes, alguns deles absurdamente improváveis (como um final para quando você tenta usar um cheat code, ou um no qual você precisa jogar um jogo de apertar botões por QUATRO horas. Qualquer pessoa normal jogaria um pouquinho, depois desistiria de continuar naquela atividade entediante, mas um usuário resolveu testar a proposta, e programou seu teclado e mouse para executarem os comandos automaticamente, por mais de quatro horas. Surpresa! Existia MESMO um final diferente pra isso!). E a cada “rodada”, o narrador vai perdendo o controle sobre o que você tá fazendo, e sobre qual caminho seguir para que a história se desenvolva (numa delas, acabei dentro de Portal, em outra, era Minecraft). É surreal, e traduz de forma palpável aquela coisa louca toda de “cada escolha traz um resultado diferente”, que só pode ser alcançada com jogos, e passa longe de filmes, ou livros, ou qualquer narrativa tradicional.

Bom, estava eu, jogando, ontem, quando cheguei num final em que Stanley entra num museu, que tem várias coisinhas relativas ao desenvolvimento do jogo. Mapinhas, equipe de desenvolvimento, curiosidades, modelos, os botões que podem aparecer ao longo do caminho, etc. E nesse museu, me deparo com essa “escultura”, explicando que originalmente eles tinham um final onde Stanley estaria numa praia, combatendo uma invasão alienígena.

Hmm… que curioso, um jogo cujo princípio é justamente de recomeçar over and over again, e mudar suas escolhas para diferentes resultados, tinha um final que é basicamente idêntico ao que acontece em Edge of Tomorrow, um filme que gira em torno do mesmo princípio! Depois o filme desenvolve em outros cenários e assuntos, mas a semelhança é muito peculiar!

Bom, estão aí dois filmes e um jogo muito bons, para quem tiver tempo livre para experimentar novos conceitos. Mas, principalmente o jogo, sério.