Day-to-Day

Eisenstein e a Montagem.

June 20, 2010

“Eisenstein, como se sabe, passará ‘do teatro ao cinema’, e seus dois primeiros filmes, A Greve e O Encouraçado Potemkin (1924-5), trazem as marcas das construções cênicas construtivistas e da organização plástica linear (…). Eisenstein ‘totaliza’ então a maioria dos traços do construtivismo: além do linearismo de suas construções plásticas e sua concepção original da montagem, ele trabalha o papel e o sentido dos objetos, integra a escritura à imagem, usa a arquitetura como modelo social e responde vigorosamente à noção de encomenda social.” (ALBERA, SP, p. 233-234)

Ainda no teatro, Eisenstein se utiliza do recurso das Atrações, que se sustenta, segundo François Albera, no príncipio de que, “A unidade do espetáculo não é requerida, tampouco o encadeamento das ações ou dos gestos; basta uma montagem de momentos fortes, agressivos, significativos, livremente associados em vista do efeito desejado”.

Passando para o cinema, o recurso das atrações, previamente utilizado no teatro, se traduz na montagem, dando assim origem à Montagem de Atrações, que consiste em inserir em meio ao filme “ações (atrações) arbitrariamente escolhidas e independentes (também exteriores à composição e ao enredo vivido pelos atores), porém com o objetivo preciso de atingir um certo efeito temático final.”, diz Eisenstein.

A montagem de atrações é ferramenta presente tanto em Outubro como em A Greve. No segundo, podemos citar o momento em que são apresentados os “agentes infiltrados” da burguesia em meio à massa trabalhadora. Cada um deles tem um codinome de animal (Raposa, Buldogue, etc.), e após a menção desses codinomes, os referidos animais aparecem, contra um fundo preto, e a imagem então vai se dissolvendo até revelar o rosto do personagem.  Podemos também citar as cenas nas quais, durante a greve, são mostradas as máquinas abandonadas, intercaladas com planos de animais, representando que sem o homem para operar aqueles equipamentos, eles não passam de cenários estáticos.

De acordo com o próprio Eisenstein, “o plano não é de forma alguma um elemento de montagem. O plano é uma célula (ou molécula) de montagem.”, adicionalmente, “nunca pode ser uma inflexível letra do alfabeto, mas deve ser sempre um ideograma multissignificativo”. “A Montagem foi estabelecida pelo cinema soviético como o nervo do cinema. Determinar a natureza da montagem é resolver o problema específico do cinema”.

“Com relação à ação como um todo, cada trecho-fragmento é quase abstrato. (…) Logicamente, nos vêm o pensamento: não se poderia conseguir a mesma coisa de modo mais efetivo se, em lugar de seguir o enredo (…), se materializasse a idéia (…) através de uma livre acumulação de material associativo?”. De acordo com o trecho acima, nas palavras de Eisenstein, a montagem de atrações funciona muito bem para expressar acontecimentos na história, ações, situações palpáveis, e abarcar o público, envolvendo-o na história. O planos que não se relacionam naturalmente com a trama, se relacionam, por sua vez, com os espectadores, com a forma que eles vêem aquela cena, e despertam determinadas sensações e reações ideológicas, dramaticas, de qualquer gênero.

“Formar visões justas despertando contradições na mente do espectador, e forjar conceitos intelectuais acurados a partir do choque dinâmico de paixões opostas” é uma das características desse tipo de montagem, entretanto, a expressão de tais emoções por meio de associações psicológicas requer atenção à dinâmica apresentada na seqüência, pois “tal recurso pode deteriorar patologicamente se o ponto de vista (…) se perde. Assim que o diretor perde de vista esta essência, a forma ossifica-se em simbolismo literário sem vida, e maneirismo estilístico.”, diz Eisenstein, e ele mesmo admite o fato de essa ossificação ter acontecido em algumas seqüências de Outubro.

Analisando uma seqüência de A Greve, tudo começa quando os policiais pegam um trabalhador, no meio de uma tempestade durante a noite, enquanto ele tenta abordar um veículo burguês. Primeiro a moça dentro do carro se assusta, e grita para baterem no homem. Aparecem policiais que o derrubam e arrastam para longe, sumindo completamente na escuridão. Disso podemos entender que as conseqüências terríveis das vontades da elite não eram vistas pela própria elite. Eles entram com o rapaz na delegacia, o atiram no chão e começam a espancá-lo. Vemos o plano próximo de um policial que dorme. Ele acorda com o barulho, mas retorna a seu sono. Em meio à surra, vemos planos detalhes de olhos entre grades, assistindo àquela brutalidade, passando a sensação de que a lei age de acordo com a elite, mas quem testemunha seus resultados de fato, é o povo.

Em Outubro, podemos destacar a sequencia que apresenta os políticos do governo provisório. Todos sobem uma escadaria de mármore, em planos gerais com seus nomes, em seguida os vemos conversando, com muitos planos próximos. Em meio à conversa vemos as botas dos homens, paradas, imóveis, estátuas de anjos, todas numa abordagem clássica, tradicional, um sinal de que as coisas vão continuar as mesmas, se depender daqueles homens. Por fim, quando eles se movem, entrando numa porta, vemos as botas andando, os homens vão entrando e vemos planos próximos de um pavão metálico que se mexe para a câmera, numa exibição óbvia de beleza e ostentação, entrecortada pelos planos dos politicos andando. Mais uma característica daqueles personagens, indicada pela associação de imagens na Montagem de Atrações.

Em oposição a Griffith, que expressa a realidade da aparência, considerando um público passivo, Eisenstein diz: “Os primeiros diretores conscientes, e nossos primeiros teóricos do cinema, consideravam a montagem uma forma descritiva em que se colocam planos particulares um após o outro, como blocos de construção. O movimento dentro desses planos, blocos de construção, e o conseqüente comprimento das partes componentes, era então considerado ritmo. Um conceito totalmente falso. (…) Em minha opinião, porém, a montagem é uma idéia que nasce da colisão de planos independentes – planos até opostos um ao outro: o princípio ‘dramático’.”. O diretor russo, por sua vez, pensa no público como parte ativa da obra, que será atingido profundamente e participará da história contada em suas imagens.

Enquanto Griffith faz cortes nos movimentos, e toma o máximo de cuidado com a continuidade da ação, Eisenstein não se incomoda com sobreposições, planos curtíssimos (apenas alguns poucos quadros), a já explicada montagem de atrações, ou até mesmo repetir movimentos visando alongá-los ou tornar seu impacto maior. “Em muitos casos, Eisenstein recorrerá àquilo que a norma cinematográfica chama de ‘falsos-raccord’, ou seja, uma repetição (de movimentos, de gestos) e, portanto, um hiato temporal. Isso pode ser observador em A Greve, na seqüência das mangueiras para dispersar a multidão, perto do fim do filme, ou enquanto os mesmos trabalhadores andam pelas ruas em grandes grupos, fazendo alusão a um grande rio.  Essas grandes movimentações de pessoas, remetendo à grandeza, tanto da natureza, como da revolução, também é muito utilizada no começo de Outubro.

De forma sintética, podemos dizer que os dois diretores se importam com diferentes realidades. Griffith se associa à realidade da aparência, mantendo a verossimilhança, e Eisenstein se atém à realidade da essência das ações representadas. “Acreditava-se que o corte (montagem) destruiria a idéia do homem real. (…) Considerei (e ainda considero) tal conceito totalmente não-fílmico” (Sergei Eisenstein). No expressionismo, todo o naturalismo de realidade aparente é descartado, tudo é apresentado no nível mais simples, e até mesmo decomposto. Outubro, por sua vez, é o cúmulo do expressionismo de Eisenstein, depois de suas experimentações em A Greve e O Encouraçado Potemkin, e tal característica (da decomposição) pode ser facilmente observada, por exemplo, após a prisão do General Kornilov, onde acompanhamos, só com planos detalhes, o processo atravessado por uma bala até o momento em que ela será disparada.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

KRACAUER, Siegfried. De Caligari a Hitler – Uma História Psicológica do Cinema Alemão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1988

EISNER, Lotte H. A Tela Demoníaca. São Paulo: Paz e Terra, 2002.

AUMONT, Jacques. O Olho Interminável. São Paulo: Cosac & Naify, 2004.

ALBERA, François. Eisenstein e o Construtivismo Russo. São Paulo: Cosac & Naify, 2002

EISENSTEIN, Sergei. A Forma do Filme. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1990.

XAVIER, Ismail. A Experiência do Cinema. São Paulo: Graal, 2008.