Day-to-Day

Emails Para Desconhecidos – um texto que não tem nada a ver com o tópico.

July 24, 2014

Não sei se é por conta de experiências anteriores, mas eu nunca tenho muita fé quando tô mandando um email para uma pessoa “desconhecida” – e aqui o conceito é bem amplo: “desconhecido” pode ser qualquer pessoa que não me é próxima. O exemplo mais óbvio eram os professores da USP. Conhecer eu conheço, tinha aula toda semana, trocentas horas por dia, mas – desde os tempos de colégio – sempre tive a sensação que o relacionamento professor-estudante era algo inerente à sala de aula. Fora dali, eu sou uma pessoa e o professor é outra. A matéria em comum não garante que a gente vai ter assunto fora das aulas. A questão dos emails não é exclusiva de professores, mas gostei do assunto, volto pra emails daqui a pouco.

Acho que por isso, de sermos pessoas não-necessariamente conectadas, na minha memória, os professores que mais ficaram são aqueles que falavam de assuntos outros que não o da matéria em questão. Desses eu lembro, como pessoas. Os que só passavam o conteúdo, eu costumo lembrar do conteúdo, mas quase nada das aulas. Na lata, se me perguntam, qual foi o melhor professor que já tive, o que chega correndo na língua pra pular como resposta é Clóvis, de física, no primeiro ano do ensino médio. Me pergunta o motivo, e eu não lembro. Se eu lembrar, escrevo. Mas lembro que Clovinho foi foda.

Mentira, lembrei. Até o primeiro ano, eu sempre fui meio aluno-modelo. O sujeito que terminava a prova antes do tempo mínimo e ficava esperando dar a hora pra poder sair da sala. Tinha ótimas notas também, era quieto, fazia os trabalhos e não atrapalhava a aula. Se eu fosse professor, e tivesse um aluno desses, ia achar ótimo, é um pepino a menos na minha vida. Menos um pra recuperação, menos um pra ficar mandando bilhete pros pais, menos um pra reclamar na diretoria, sei lá. E acho que funcionava meio assim mesmo. Meus pais ouviam os elogios, eu, na maioria das vezes, nem ligava muito pra nada. Tava na escola pra aprender, e o mínimo a fazer era isso. Nada era muito difícil até ali.

Aí chegou o primeiro ano. A média diminuía, de 6 pra 5. Matematicamente, era mais fácil de passar. Ganhávamos também novas matérias, Física, Química e Biologia, todas derivadas da abrangente “Ciências”, e com um nível de detalhamento muuuito maior que a matéria-mãe. Apesar de gostar muito de matemática, meu primeiro trimestre de física foi uma catástrofe. Eu adorava a matéria, achava sensacional a possibilidade de explicar o mundo todo com números, mas alguma coisa não tava dando certo na minha cabeça, tanto que fiquei abaixo da média no primeiro bloco de física. Eu, o menino que acabava a prova antes da hora. Não tinha deixado de acabar a prova antes da hora, só que agora as respostas é que não estavam certas.

Clóvis não era um professor “gente boa”, que elogia todo mundo, faz brincadeirinha, sorri o tempo todo, etc. Mas as aulas eram muito divertidas – justamente por causa do personagem – e até quem não gostava da matéria, naõ tinha muito problema em sobreviver à aula. Nos primeiros testes, fui ok, fiquei pouco acima da média, nenhum problema. Eu não acreditava em estudar, sabe, sentar e fazer exercícios, ler, etc. Lia algo quando era interessante, no geral, ficava só com o que tinha visto em aula e anotado no caderno. Na última prova, tirei 2 valendo 10. DOIS. Minha nota mais baixa até então tinha sido algo perto de 6 ou 7. Pensa numa criança em desespero, e sem saber pra onde ir, era eu. Agradeço infinitamente a meus coleguinhas que fizeram piada e me acolheram como parte do grupo, agora daqueles que tiram nota baixa. Nos minutos depois do desespero, já tava rindo e pensando que ia ser moleza recuperar no segundo bloco.

Grande erro. Tomei outra porrada na primeira prova – não lembro a nota exata, acho que 3.5 de 10 – e continuei fazendo graça, pensando “se eu quiser passar eu passo, é só estudar”. Na aula seguinte à da entrega dos resultados, Clóvis deu um discurso que eu tenho certeza que não tinha nada a ver com a escola, e sim o que ele via naquele tempo, comparado com o que ele vira, muitos anos atrás, quando ele começava a ensinar, ou quando ele mesmo ainda era estudante. Não lembro exatamente as palavras, mas era algo do tipo “acho bizarro o jeito que vocês recebem notas hoje em dia. Se tirou nota boa, é um escroto, que não passou cola, CDF, só faz estudar. Se tirou nota baixa, é da galera, é o espertão, não tá perdendo tempo com a escola, comemora, dá risada e fala que ‘depois meu pai paga a recuperação e tá tudo certo’. Filho, cada recuperação é XYZ (não lembro o valor, mas era muito), você não sabe que sua mensalidade já é cara? Vocês não estão dando valor pro esforço dos pais de vocês em colocarem vocês aqui. Tem muita escola ruim por aí, que custa uma fração do preço. Já que o objetivo é só passar, porque não vai pra lá? Aproveita e economiza um dinheiro!”. Depois dessa, a sala ficou quieta pelos 100 minutos seguintes, onde ele explicava a matéria.

Pra alguns, aquelas palavras não significaram nada. Pra outros, fizeram algum sentido naquela hora, depois foram se apagando e sumiram. Pra mim – e dois anos depois, pra quem tava perto de mim – foi uma puta revelação. Sei lá, nunca tinha pensado nesse ângulo. Eu tinha 13 anos! Na saída da aula, ainda passei por Clóvis no corredor, e ele falou pra mim rapidinho (uma coisa meio “desconhecido” meio “eu me importo com o que você vai fazer depois dessa escola”) que sempre ouvia os professores falando bem de mim, e que ele não tava vendo isso em aula. Eu tava sempre conversando, não prestava atenção, minhas notas mostravam isso. Perguntou se tava tudo bem comigo. Respondi que sim, na hora não foi grande coisa, mas acho que foi essa “conversa” que marcou pra mim, tempos depois.

Aí começou a fritação, e eu comecei a estudar física, loucamente. Aquela merda não era fácil como minha cabeça de 13 anos tava achando! Não muito depois, no próximo teste, valendo 6, eu tava preparado. Claro, nervoso porque já tinha me estrepado todo antes, mas pelo menos achava que sabia o que precisava pra responder. Não fui um dos primeiros a acabar. Passei a limpo as respostas – acho que foi a única vez que fiz isso, antes do vestibular e entreguei. Dali a algumas semanas, receberíamos o resultado. Pra variar, completando minha sina de colegial, ou eu era o último ou o penúltimo na lista de chamada, e todas as entregas eram em ordem alfabética. Antes de começar, Clóvis falou que mais da metade da turma tinha ficado abaixo da média, algumas notas boas e UMA nota máxima. Depois de gente comemorando notas boas, chorando notas ruins, afinal chegou meu nome e saí do fundo da sala pra buscar a prova. Chegando perto, nervoso pra cacete, não sabia se devia esperar uma bomba ou comemorar por ficar acima da média.

Clóvis me entregou a prova virada ao contrário, com a nota pra baixo. Eu nem fui olhando pra prova, fui olhando pra ele, que abriu um sorrisinho, daquele tipo que a gente tá sempre tentando disfarçar, e falou “Parabéns. Continue assim”. Já sabia que não tinha ido mal, mas só olhei a prova mesmo quando tava no meu lugar de novo. Não sei se é algo da minha cabeça, mas lembro das pessoas perguntando a nota, e eu não tinha nem visto ainda. Quando virei o papel, tava lá meu seis, redondo. Nada errado, nem meia conta. Tenho até hoje, de tanto que me orgulho dessa prova! hahaha! Foi uma sensação física bem parecida com a do primeiro 2, tremedeira, suor frio, músculos tensos, incredulidade. Mas dessa vez era bom.

Depois daí, a vida em Física não foi moleza, o segundo ano ainda era com Clóvis – amém! – e penei pra passar. Foi a única vez na vida que achei que podia ir pra recuperação. Passei raspando na média, mas agora sem a crise. Agora eu já não tava fazendo as coisas sem pensar. O segundo ano do ensino médio foi onde – eu diria – começou a nascer a Paperball, e eu realmente preciso escrever sobre isso. De forma resumida, sim, minhas notas baixaram, mas tem mil coisas a se considerar, e não vou entrar nelas nesse post.

E aqui tô eu, escrevendo sobre uma figura que provavelmente nunca vai ler isso, e nunca vai saber o quanto foi impactante pra mim. Acho que isso é meio inerente ao trabalho de professor, na verdade. Tem umas coisas que a gente só aprende a valorizar depois de uns anos. Depois desses apertos com física, hoje é uma das minhas matérias favoritas, olhando pra trás, e uma que absolutamente não me assusta se eu tiver que voltar a estudar pra alguma coisa, graças a essa UMA única conversão de professor-estudante para pessoa-pessoa (pelo menos, na minha interpretação).

Se você teve paciência e coragem pra chegar até aqui, vou terminar o post que tinha começado, retomando os benditos emails. Bom, como já gastei trocentos parágrafos explicando, pra mim, um professor não é necessariamente um amigo e a experiência da USP foi uma ótima forma de reforçar esse ponto. Na maioria das vezes que mandei emails pra professores, a respeito de qualquer coisa relacionada às aulas, ou algum projeto que precisava de aprovação, eu nunca esperei resposta. Ou pelo menos, nunca esperei uma resposta imediata. Geralmente eu mandava um email com dias de antecedência, conversava com os funcionários do CTR sobre as coisas que ia precisar, qual a chance de conseguir, que caminho seguir, na hora de conversar com o professor, etc. Aí, eventualmente, depois de uma aula, eu corria um pouquinho no corredor, perguntava se ele (ou ela) tinha visto o email, e resolvia o assunto.

Só durante o TCC mesmo que eu contava com respostas do Scavone para me ajudar em algumas coisas do processo, mas foram poucos emails, no total. O mesmo vale pra emails relacionados a compras, vendas, dúvidas em relação a produtos ou serviços, taxas, etc. Eu mando o email como um teste. Se tiver resposta, maravilhoso. Se não tiver, eu já tava preparado mesmo pra telefonar, ou ir no lugar, pra saber o que precisava.

Bom, esse parâmetro louco todo já fracassou algumas vezes nas últimas semanas, graças à… VFS, claro. Na primeira ocasião, nosso grupo de Design tava com um pepino – a gente tinha perdido quase todo o material de uma entrega porque um computador fritou na véspera da deadline -, e mandei um email pra saber como proceder. Já tinha em mente um plano do que fazer, mas mandei o email pro caso de, sei lá, alguém me responder algo mais útil. Eu realmente não esperava resposta. E AINDA MENOS esperava que ela fosse chegar em 10 minutos, e que fosse extremamente clara. A resposta era uma instrução, e uma sugestão, caso não conseguíssemos recuperar o trabalho a tempo de entregar (“coloquem na pasta o que estiver pronto, e tragam amanhã o que não estiver na pasta”).

Ontem à noite, mandei mais um email, dessa vez pro professor de Iluminação. A resposta, hoje às 8 da manhã, não englobava só minha pergunta, mas também sugestões de como melhorar o trabalho, e uma curiosidade genuína sobre minha experiência prévia como diretor de fotografia. Nas aulas eles sempre falam: se tiverem dificuldade, ou dúvida, é só mandar um email, que a gente dá um jeito. Não achei mesmo que funcionasse tão bem e, digo mais, que os professores seriam tão interessados nos alunos. E aqui cheguei num dilema que diz “Pra quê se importar, se a cada dois meses eles têm uma tuma nova?” enquanto a contra-resposta é “Como não se importar, se eles só têm dois meses pra garantir que a gente vai seguir em frente dominando o que eles ensinaram?”.

Antes de vir pra Vancouver, eu definitivamente iria com a primeira opção. Pra quê se importar? (aqui eu quis emendar outro assunto, mas esse post já tá muito grande e confuso). A cada semana que passa, porém, vou mudando de lado e dando importância a tudo. Como NÃO se importar, se o tempo que temos é tão pequeno? É só um ano. São só dez anos. São só cem anos. No geral, cem anos é nada. Numa esfera pessoal, se eu chegar aos cem (ou passar!), espero que cada um deles seja memorável. Definitivamente a mudança está trazendo mudanças.