Day-to-Day

MovieGaming Hard!

December 6, 2011

Nesse semestre, em Montagem I, a principal forma de avaliação era o trabalho final. O tema de análise era livre, contanto que com um foco na montagem/edição das coisas, claro. Depois das primeiras semanas de aula, cada um devia escrever uma breve proposta do que queria abordar em seu trabalho, para já começar a pensar no que discorrer ao longo de 3000 a 4000 palavras. É, uma bomba meio grandinha. A minha proposta é esse parágrafo aí embaixo.

Pretendo analisar através dos trechos de ação do filme Gamer (EUA, 2009) – e ainda mais especificamente com enfoque a seqüência que vai de 20min40s a 24min20s -, como os mesmos são afetados pela linguagem dos filmes de ação modernos e pelos videogames e jogos de tiro em primeira/terceira pessoa. Em contrapartida, falarei também como a evolução dos gráficos permitiu que esses jogos se tornassem cada vez mais cinematográficos, embutindo em si ferramentas próprias para “filmar” a ação, dando origem aos machinimas – normalmente webséries feitas a partir desses jogos, mas que seguem as regras de uma série de TV -, numa espécie de evolução paralela onde os dois caminham para resultados bastante próximos.

Então, minha análise básica partia dessa seqüência de Gamer, e a comparava com jogos. Tive uns problemas técnicos – explicados nos primeiros parágrafos do trabalho -, e adaptei umas coisas. Meus moldes de comparação passaram a ser trailers de Battlefield 3 e Fallout 3. Convenhamos, são jogos deveras divertidos. Vamos começar?

AVISO PRÉVIO

Acabei me separando um pouco da proposta original, de relacionar a montagem do filme com a montagem dos machinimas, e me foquei na comparação entre o trecho do filme e diversos elementos da montagem e universo dos jogos, principalmente a partir de trailers de First-Person-Shooters (FPS daqui por diante).

Mas isso tem uma explicação: passei as últimas semanas procurando machinimas que se encaixassem no estilo do filme, ou pelo menos com montagem similar, e não consegui encontrar. Todos eram mais de comédia, e não tinham uma atenção tão boa como eu queria para a montagem. A partir disso, encontrei os trailers, com ênfase nos que são montados a partir de imagens que podem ser obtidas a partir do próprio jogo.

Os jogos usados como comparação são Battlefield 3 e Fallout 3. Outros FPS já consagrados nos últimos dez anos como Half Life e especialmente Counter Strike, por sua inovação no que diz respeito à jogabilidade Multiplayer online (ou LAN), também trazem muitas referências e podem vir a ser citados – e explicados – ao longo do processo.

TRECHOS ESCOLHIDOS A SEREM ANALISADOS E COMPARADOS

Gamer

Fallout 3 Trailer

Battlefield 3 Trailer

GAMER – BACKGROUND E PRINCÍPIOS BÁSICOS

Gamer (EUA, 2009) foi roteirizado e dirigido por Mark Neveldine e Brian Taylor. O filme apresenta um futuro próximo onde a tecnologia e o entretenimento virtual remoto chegou a níveis extremos através da Castle Industries. A empresa é dona de dois “jogos” que põem pessoas no controle de outras pessoas. De um lado, há as que pagam pelos personagens, ficam em casa e têm suas interfaces de controle (jogadores). Do outro lado, há os controlados (avatares), que têm células nervosas modificadas para interpretar e obedecer os comandos virtuais dados pelos jogadores.

O primeiro desses jogos é Society, uma espécie de jogo de simulação levado a níveis extremos. Dentro da área de atuação os avatares obedecem indiscriminadamente a todos os comandos dos jogadores, e são pagos por isso pela empresa que administra o jogo. Facilmente podemos traçar uma série de similaridades entre Society e jogos como The Sims ou Second Life, onde os jogadores controlam versões virtuais de si mesmos.

O segundo jogo, que é o tema da discussão, é Slayers, um tipo de jogo de tiro em primeira pessoa (FPS), multiplayer onde os avatares são condenados ao corredor da morte, e os jogadores podem ser qualquer pessoa que tenha pago por eles. O ponto é: os avatares são reais, então quando um deles morre, não é só uma porção de dados que é destruída, e sim uma pessoa morre. É um campo de batalha real, comandado online. O protagonista é Kable (Gerard Butler), que é controlado por um garoto de 17 anos (Logan Lerman) que não conseguia mais achar diversão em jogos puramente virtuais.

Montado por Doobie White, Fernando Villena e Peter Amundson, Gamer poderia ter facilmente passado com um tratamento padrão de seqüências de ação hollywoodianas – o que acontece na grande maioria da 1h30 de duração do filme -, mas as seqüências dentro de Slayers me chamam atenção por serem bastante similares ao que encontramos na montagem de trailers de FPS. E é uma delas que será discutida aqui.

MACHINIMAS – O QUE SÃO E PARA ONDE VÃO

Machinimas são obras audiovisuais criadas a partir de universos compreendidos em jogos virtuais. Assim como filmes tradicionais, não há uma restrição de gêneros ou linguagens. O que os une é o fato de todos serem feitos a partir de algum jogo. O fenômeno começou na década de 90, conforme surgia o mérito de partidas multiplayer ou speedruns – onde o jogador completava todo o jogo numa velocidade recorde.

A produção se dá através de softwares de captura de tela, que geram arquivos a partir do que acontece na tela do computador. Se o que está acontecendo é uma cena de jogo, ele vai gravando isso, e quando o “diretor” considera que já tem material suficiente, ele começa a montar seu filme. A grande diversão, entretanto, é ver como os machinimas evoluíram, desde sua origem – nos FPS –, até os tempos atuais.

No começo, a modelagem e as texturas eram precárias, a iluminação era inexistente, e movimentos de câmera eram praticamente impossíveis, mas, conforme a prática se popularizava, as empresas desenvolvedoras dos jogos, além de aprimorarem as qualidades técnicas – gráficas e sonoras – já levavam em consideração essa parcela de jogadores que se divertia também criando histórias a partir da ação, e embutia no núcleo do jogo uma série de facilidades como a programação de ações, liberdade para movimentar a câmera e um sistema próprio de gravação das partidas. Alguns exemplos dessa inovação foram Counter Strike e Grand Theft Auto: Vice City, perto do ano 2000.

Counter Strike, na verdade, deu início a uma revolução nos jogos multiplayer online, provocando toda a febre das lan-houses que infestaram o mundo inteiro – especialmente o Brasil. Ele foi tão inovador porque trazia partidas rápidas, um servidor muito fácil de criar, tinha um visual incrível para a época e rodava muito bem em máquinas não-tão-caras-assim. O ponto de partida dos combates era sempre: forças policiais versus terroristas.

Quando o avatar do jogador morria, ele podia ver, em terceira pessoa, como estavam os membros vivos do seu time, uma espécie de espectador fantasma, ou então, controlar a câmera com os mesmos comandos do jogo, mas sem as limitações físicas do cenário, podendo sair da arena, voar ou até mesmo atravessar paredes. Essa propriedade simples acabou impulsionando os machinimas.

Poucos anos depois, foi lançado The Sims 2, um jogo de simulação de personagens, onde o jogador tinha completo controle da câmera e seus movimentos, e já vinha com uma ferramenta embutida para gravar trechos do jogo. A Electronic Arts, desenvolvedora do jogo, até promoveu uma pequena série machinima chamada The Strangerhood, para divulgação das capacidades do jogo. A série foi produzida pela Rooster Teeth, que já fazia bastante sucesso com sua série Red Vs Blue , feita a partir do jogo Halo – atualmente, Red Vs Blue está em sua nona temporada. A Rooster Teeth também foi contratada para uma mini-série de divulgação do jogo F.E.A.R. e um episódio especial dos machinimas vinha no DVD da edição especial do jogo.

De lá para cá, tivemos jogos como The Movies, cujo foco principal era controlar e evoluir um estúdio de cinema, a partir da década de 20 até o futuro, permitindo diversos níveis de controle dentro das produções, passando por gêneros, montagem, decupagem, figurino, props, cenários e tudo mais, diretamente dentro do jogo. Para maior entendimento do funcionamento do jogo, é só clicar no link.

Ainda mais recentemente, com o lançamento dos jogos usados como exemplos principais nesse trabalho – Battlefield 3 e Fallout 3 – o refinamento e controle dos ambientes a serem capturados é ainda maior, e o resultado técnico é impecável. O que ainda falta, por não ser um “mercado” propriamente dito, é maior cuidado com os roteiros, e diversificação de gênero – a enorme maioria dos machinimas são comédias, como os da Rooster Teeth – tanto que, quando fui procurar exemplos para esse trabalho, acabei tendo que mudar e discutir a montagem dos trailers dos jogos, pois não encontrei machinimas bem montados de ação, a ponto de comparar com o filme.

CONSIDERAÇÕES

Para melhor compreensão de termos e situações ao longo do próximo tópico, se faz necessária uma breve explicação sobre o funcionamento de jogos multiplayer online. A idéia principal de jogos online é que a máquina de cada jogador processe apenas o que ele faz, e nenhuma acabe sobrecarregada com o próprio sistema do jogo, além das ações do jogador. Então, temos o servidor, que roda a base do jogo, controla toda a inteligência artificial, e se preocupa com toda a física, mas não processa nada de gráfico, e as máquinas clientes, que representam os jogadores, e acessam o servidor, tanto para envio como para recebimento de dados.

TRAÇANDO PARALELOS – SLAYERS E OS TRAILERS DE FALLOUT 3 E BATTLEFIELD 3

Trecho do filme analisado: 20min40s a 24min20s

A seqüência começa com a entrada dos avatares na arena. A câmera sacode e corre com eles, temos a sensação de uma visão em primeira pessoa. Armados, correndo juntos num corredor, temos uma noção básica de equipes: esses avatares são todos de um mesmo grupo. Pouco depois que eles saem do túnel, temos um plano detalhe de uma luz na arma, que passa de vermelha para verde.

Essa entrada e desbloqueio da arma podem ser comparadas ao termo “spawn time”, comum a todos os FPS online. Antes do começo de cada partida, há um intervalo de alguns segundos para a entrada de novos jogadores no campo de batalha, e para a compra e upgrade de equipamentos. Durante esse tempo, você também pode olhar ao redor, pelos olhos de seu avatar, mas é incapaz de se mover ou atirar. Em muitas fases apertadas de Counter Strike, esse “spawn time” decidia quem iria sobreviver aos primeiros segundos, pois as facções rivais já começavam uma de frente para a outra, muitas vezes sem qualquer cobertura. O início da partida também é sempre marcado pelo som de destravamento ou carregamento das armas, presente no filme.

Há uma unidade ao longo dos planos, pela tonalidade quase preto e branco, luzes muito fortes e uma real ausência de objetos coloridos. A montagem respeita a direção do movimento através dos cortes, e os avatares estão sempre indo da direita para a esquerda. Presume-se então que a equipe adversária esteja vindo da esquerda para a direita, a fim de começar o conflito.

O primeiro corte em cima do eixo vem aproximadamente aos 25 segundos, e pouco tempo depois já não teremos mais um referencial seguro para dizer onde o personagem está, dentro da arena. Os primeiros disparos não vêm até os 48 segundos, quando um helicóptero dispara mísseis contra uma construção. Antes disso, temos alguns planos rápidos – e sempre em movimento – de adversários se escondendo em meio a construções, perto dos avatares. Faz-se claro então que o objetivo do jogo não é eliminar todos os outros competidores.

Em jogos como Halo, ou Team Fortress, existem alguns modos de jogo multiplayer além do tradicional “mata-mata”, onde uma equipe vence assim que todos os membros da equipe adversária estão mortos. Em comparação, o modo de jogo que mais se assemelha ao filme, seria “Sprint”, onde os jogadores devem partir de uma base segura, passando por uma série de checkpoints desprotegidos até uma área de segurança. Esse modo é o fio-condutor da franquia de sucesso Left 4 Dead, da mesma empresa que produziu Counter Strike.

Ao longo dessa primeira parte, antes de a ação começar de verdade, temos uma certa ênfase para uma personagem feminina, que acompanha Kable, correndo ao seu lado. Nesses planos, vemos tudo por cima do ombro de Kable, que fica do lado esquerdo do quadro. Essa visão por sobre o ombro, com a arma apontada para frente também é recorrente em FPS. Muitos jogadores preferem ter uma noção mais ampla do espaço a seu redor, portanto, escolhem essa posição de câmera ao invés da tradicional, que representa os olhos do avatar.

Mais adiante (2min37s), um enquadramento bastante parecido com esse vai ser usado no momento em que vemos Simon, o jogador que controla Kable, participando da partida em sua casa, diante de uma tela gigantesca. Esses mesmos posicionamentos podem ser vistos com facilidade no trailer de Fallout 3. Voltaremos a esse assunto em breve.

Os cortes são acelerados, e muitos deles são feitos a partir de um efeito – acompanhado de um som próprio – de defeito na imagem, linhas e pixels meio engasgados. Essa é a parte mais curiosa sobre a montagem das seqüências de Slayers. Devido ao fato de o jogo ser online, ou seja, pela internet, há um limite físico em relação à quantidade de informação transportada pela conexão. Quando o fluxo de informação é maior que a velocidade da conexão, existe o “lag” – ou “latência”, em português, mas estamos falando em linguagem de jogo.

O lag é um atraso na chegada dos dados, trazendo comportamentos bizarros para o sistema, pois muitas vezes há um choque entre o comando dado pelo jogador, e um acontecimento espontâneo na arena, por exemplo: uma bomba sendo desarmada pelo jogador, em sua máquina cliente, ao mesmo tempo que a contagem regressiva do explosivo é feita pelo servidor do jogo. É totalmente possível chegar a um cenário onde, em casa, o jogador desarme a bomba, mas no servidor onde o jogo está rodando, devido ao lag, ele não tenha realizado a operação em tempo hábil e exploda. O ponto é: nessas situações, o servidor sempre vence, pois o jogo está rodando diretamente nele.

Retomando, esses cortes “sujos” são o resultado dos lags na transmissão do jogo ao o jogador, colocando assim o público no papel de jogador. Para não atrasar as ações do jogador, a máquina cliente acaba descartando parte das informações visuais/sonoras geradas a partir de dados do servidor, criando esse, e outros, defeitos que observamos especialmente durante os cortes. O lag também influencia a taxa de quadros do jogo, como podemos ver, algo mais engasgado, em 2min01s, onde o plano começa em uma câmera lenta travada, e subitamente recupera a velocidade normal.

Falando nisso, a sensação de velocidade é constante, dada pelos cortes rápidos e planos sempre em movimento, seja dos avatares ou da própria câmera. Os lags colaboram nessa sensação, pois há ainda mais movimento em quadro, e o obturador da câmera também é mais acelerado que o padrão (180 graus), tornando o movimento ainda mais estranho – e seguindo as regras ditadas pelos jogos, afinal, videogames têm taxas de quadros dezenas de vezes superiores aos 24fps dos filmes. O que em muitos filmes de guerra (O Resgate do Soldado Ryan, Diamante de Sangue, etc) é utilizado como recurso em apenas alguns planos, nas seqüências de Slayers, é característica constante, criando uma unidade de estilo.

Um fator que influencia muito na qualidade técnica de um jogo é como ele lida com partículas. Fumaça, lascas de parede ou madeira, capsulas de bala, pêlos e líquidos. Recentemente temos tido uma grande evolução nesse sentido, como é fácil de perceber especialmente no trailer de Battlefield 3, e que é uma característica comum na seqüência de Gamer. Em praticamente todos os planos há fumaça e pequenas coisas voando para todos os lados.

No trailer de Battlefield 3, o principal elemento que indica se tratar de um mesmo assunto ou situação é o braço com a arma, na visão tradicional de um FPS. Mesmo entre muitos cortes rápidos, elipses temporais ou mudanças de ambiente, a grande maioria dos planos tem a arma, seja abaixada enquanto o personagem corre, ou atirando. Outra característica forte é a presença dos outros membros da equipe sempre ao alcance de visão do jogador. Durante a montagem, a grande maioria das imagens é em primeira pessoa, mas temos também imagens em terceira, onde vemos os protagonistas correndo e se protegendo, em meio ao campo de batalha.

Os primeiros planos do trailer são bastante similares aos primeiros da seqüência de Gamer, começando dentro de um veículo, então os personagens saem, e correm por um espaço estreito. Temos uma pequena variação de pontos de vista, mas, de forma geral, a experiência é bem parecida.

Até os 40s do trailer, temos pouquíssimos sons de batalha, sempre ao fundo, meio distantes, ou ecoantes, enquanto toca uma música e algumas das imagens passam em câmera lenta. Em Gamer, de 1min06s a 1min40s também temos uma experiência parecida, onde os tiros ficam abafados, e temos uma música bem calma tocando, enquanto muitas coisas acontecem em câmera lenta, então, no mesmo plano, as coisas voltam à sua velocidade acelerada e agitada, cheia de adrenalina. Em Battlefield 3, a tela pisca e retorna exatamente no mesmo instante, no mesmo plano, mas agora em velocidade normal, e com o som total do ambiente. Da mesma forma que no filme, daí pra frente o ritmo se acelera com planos cada vez mais curtos e agitados até os 1min01s, quando a tela se apaga novamente.

No último trechinho do trailer, depois do letreiro com o site do jogo, temos vários cortes idênticos aos das seqüências de Slayers, com defeitos na imagem e no som, ao longo de uma série de planos que mostram as mais diferentes situações que você encontrará no jogo e no campo de batalha. De forma analógica ao filme, esse efeito de lag na transmissão em Battlefield 3 se dá devido à digitalização dos combates na atualidade. Tudo tem câmeras, e todas elas podem ser monitoradas de longe, acompanhando a ação dos esquadrões, criando um laço ainda mais forte com Slayers.

O campo de batalha, ou arena, porém, tem limites físicos, tanto no filme quanto nos jogos. Nos jogos, ou esses limites são paredes sólidas, ou uma determinada região da qual o personagem não consegue passar. No filme, o jogador não tem permissão para sair da arena – pisca na tela um aviso de proibido – mas quando um avatar sai da arena (arremessado por uma explosão, por exemplo), sua arma é imediatamente desativada e soldados vêm para sua captura. Isso acontece numa outra seqüência de Slayers, aos 38min do filme, portanto, fora da seqüência analisada.

Essas arenas e ambientes onde a ação se desenvolve também são bastante parecidos nos três vídeos considerados. São todos urbanos, em algum nível – Battlefield 3 e Gamer são mais que Fallout 3 – e, principalmente, são todos destruídos em maior ou menor intensidade. Fallout 3 traz muitas ruínas e grandes pilhas de destroços, casas completamente destruídas, só com os alicerces sobrando, carros enferrujados e consumidos. Isso é até aceitável quando levamos em conta que o jogo se passa num futuro depois de um apocalipse nuclear.

Entretanto, quando o assunto é violência, Fallout 3 se destaca. Ao longo de toda a série, o jogo sempre teve uma opção de “Violência Extrema”, que você podia ativar nos menus, mas só nessa versão mais recente é que a coisa ficou impactante de verdade, pois antes o jogo era totalmente 2D, e em turnos (um RPG). Muitos dos planos do trailer mostram mutilações e explosões sangrentas, de forma bastante parecida ao que é visto aos 50s da seqüência de Gamer, e em outros momentos do filme. Esse trailer tem um estilo mais direto do som, onde quase todos os corte na imagem correspondem a uma mudança no som, mesmo em situações onde a continuidade espaço-temporal é mantida, como nos momentos que passam de câmera lenta para velocidade normal.

Uma outra característica é que, por ter sons muito impactantes, alguns cortes são conectados pelo som (por exemplo uma explosão começa visualmente em um plano, temos o seu som, corta, temos outra explosão em andamento, de outra escala, sem qualquer ligação com a primeira, exceto pela continuidade sonora).

Fallout 3 também tem um tratamento único de câmera que vem ativado por padrão no menu, com objetivo de tornar as mortes mais “cinematográficas” – é essa a descrição que aparece, quando você lê o manual. Quase sempre quando o personagem desfere um tiro fatal, o jogo entra em uma câmera lenta extrema, acompanhando a bala – ou qualquer outro projétil, como um míssil, no caso do trailer – girando ao seu redor até atingir o alvo e criar uma bagunça sangrenta.

Além dessa câmera especial, com um simples botão o jogador pode alternar entre a visão em primeira – temos pouquíssimos planos em primeira pessoa nesse trailer – e terceira pessoa, sendo esta última praticamente idêntica ao enquadramento over-shoulder recorrente no trecho de Gamer. Enquadramento esse que é idêntico ao exibido na tela do jogador – Simon – enquanto ele controla Kable, dos 2min35s aos 2min50s.

O grande diferencial desse enquadramento é que, além de ser um plano muito mais longo do que todo o resto dos planos que encontramos ao longo da seqüência, ele tem os menus de controle do personagem e informações da partida. Essa é uma marca registrada dos FPS e Gamer não podia se passar por um jogo sem um HUD (Head Up Display), indicando a saúde do avatar, número de vítimas, distância dos objetivos, munição, mapa e arma selecionada. Abaixo, imagens dos HUDs de Gamer, Battlefield 3 e Fallout 3, respectivamente.


APROXIMAÇÃO DAS LINGUAGENS

A partir dessa detalhada análise da seqüência do filme e dos trailers desses dois jogos (feitos exclusivamente com imagens de gameplay), é possível ver claramente uma tendência de ambas as partes, tanto de Gamer como dos jogos, em direção a um rumo comum no que diz respeito à montagem (estilo de cortes, câmeras, planos, ritmo, som).

Levando em consideração um universo mais amplo dos dois lados – filmes mais diversificados e jogos – a convergência não é tão grande assim, mas os objetivos se mantém. Um jogo quer ser tão perfeito em termos de imersão a ponto de o jogador esquecer de sua vida por um tempo, e dedicar-se apenas à sobrevivência de seu avatar, literalmente vivendo através de seus olhos. Já nos filmes, a imersão não costuma se dar em primeira pessoa, mas também busca o esquecimento da realidade e uma preocupação exclusivamente voltada para os interesses dos protagonistas.

Insisto em acreditar que todo bom filme daria um bom jogo, e todo bom jogo, daria um bom filme. Apesar de sucessivos fracassos, essa é outra tendência forte dos tempos atuais. Com o sucesso de filmes como Harry Potter, Avatar, Indiana Jones, 007, Star Wars, O Senhor dos Anéis, Aliens, entre outros, pode-se dizer que há um público ávido por jogos que entrem nesse universo e proporcionem aventuras mais profundas do que as trazidas pelos filmes.

Do outro lado – falando só de jogos que já viraram filmes -, com universos ricos como Doom, Resident Evil, Prince of Persia, Silent Hill, etc, o público para as adaptações também é garantido. Mas os fãs dos jogos só se sentem mesmo representados quando o filme captura a essência do jogo, os detalhes que o fazem único, e incorporam à sua estrutura (como foi o caso de Gamer e os FPS), o que não é algo tão simples assim. Daí vem o grande número de fracassos, de campanhas hollywoodianas visando apenas um pequeno – e breve – lucro em cima de uma coisa que poderia render muito mais.

Por fim, um último adendo: com o barateamento dos custos de produção e finalização, e uma maior liberdade de trabalhar com adaptações – isso ainda depende muito das empresas que detém os direitos dos jogos –, muitos fãs têm desenvolvido curtas inspirados em seus universos de games favoritos. Entre os mais populares estão Half Life e Portal, com curtas de grande repercussão na rede e até mesmo apoio da Valve (empresa desenvolvedora desses dois jogos e também de Counter Strike e Left 4 Dead, citados anteriormente) para iniciativas não comerciais.

A própria Valve já afirmou estar interessada em produzir longas-metragens inspirados no universo de seus jogos, e afirmou também que se alguém entende desses universos são eles mesmos, e que nenhum estúdio será capaz de interpretá-los melhor.

BIBLIOGRAFIA

MASCHWITZ, Stu. The DV Rebel’s Guide. California: Peachpit Press, 2007

NITSCHE, Michael. Claiming Its Space: Machinima. Dichtung-Digital Contributions on Digital Aesthetics, 2007

MARINO, Paul. 3D Game-Based Filmmaking: The Art of Machinima. Arizona: Paraglyph Press, 2004

GOLDMAN, Tom. Fallout Fan Film Virally Markets Nuka Cola. Escapistmagazine.com, 2011

Não sei se conta como bibliografia, mas… durante o processo de pesquisa, acabei tirando informações dos websites oficiais e blogs da Valve, Battlefield 3, Fallout 3 e Fallout New Vegas, sem contar com a  Rooster Teeth Productions.