Day-to-Day

Palavras, Me Levem Para Bem Longe.

June 28, 2015

Eu sempre gostei de ler. Diz minha mãe que eu aprendi a ler antes do normal, mas o que isso implica? Saber ler não significa gostar de ler. Na verdade, tem muita coisa que eu não consigo avançar – os textos de audiovisual que o digam. Acho que acabei exagerando na minhha afirmação inicial. Eu gosto mesmo é de ficção. Quando era criança, li todos os Harry Potter no dia em que saíram – exceto o primeiro, que minha mãe comprou na livraria quase aleatoriamente, sem saber da febre que isso viraria – era a primeira edição em português, ainda com a fonte diferente da franquia. Quando eu falo que li no DIA em que saíram, isso tem sentido literal, inclusive pros gigantescos quinto, sexto e sétimo volumes, que virei a noite sem desgrudar dos livros.

Tinha algumas regras, porém, que era esperar pelo lançamento em português e não ler na internet – nunca me dei bem lendo no computador, mas chegaremos a isso mais adiante. Boa parte do prazer da leitura estava em passar as páginas e ver a razão entre páginas futuras e passadas ir diminuindo até acabar o livro.

Minha mãe é psicóloga, e sempre teve consultório dividindo um espaço – comumente chamado de “clínica”, constituído por uma casa ou, atualmente, um andar – com outras colegas. Uma dessas é Tânia, e lembro de muitas festas e comemorações (São João, principalmente) da clínica que aconteceram na casa de Tânia. Como vocês devem saber de outros posts, eu não sou lá a pessoa mais social e festeira que há e gostava de me isolar, nessas comemorações. Agora vou entrar em memórias muito distantes, que podem não corresponder à realidade. Lembro de um quarto da casa com uma grande estante de livros, um tapete e almofadas, que servia tipo um escritório, que não era considerado parte do “ambiente festivo” da casa. Era pra lá que eu ia e passava boa parte do tempo. Esse parênteses todo se amarra com a leitura porque, pra não ficar lá ocioso, os donos da casa – Tânia e Marco Paulo – me indicavam livros que eu começava a ler por lá, e levava pra casa pra terminar.

Algumas dessas indicações moldaram – apresentaram? revelaram? – meu gosto pela ficção. Não eram livros desconhecidos. Eram clássicos, sobre os quais um grande hype seria levantado nos anos seguintes. Pra citar alguns, temos “O Hobbit”, temos “O Senhor dos Anéis”, na primeira edição em português, onde a divisão da história se dava em SEIS livros, ao invés dos três originais – tudo isso muito antes de se começar a pensar nos filmes de Peter Jackson. Foi mais ou menos na mesma época que comecei a jogar RPG, e é difícil abaixar um livro que conta uma história tão épica quanto nossas aventuras imaginárias. Depois teve “O Jogo do Exterminador” (“Ender’s Game”, no original), também parte de uma série, por Orson Scott Card, combinando crianças como protagonistas, guerras, ficção científica da melhor qualidade, e questões filosóficas incríveis. Aqui começava uma nova tendência, que só ia se aprofundar anos à frente. O primeiro e o segundo livro estavam em português, mas o terceiro volume não tinha sido traduzido até então, e minha curiosidade era tanta que peguei emprestado em inglês mesmo – esse aqui eu demorei de ler, MUITO, mas consegui.

Lembro de longas tardes e noites mergulhado nessas jornadas e seus desafios, sem sentir meu tempo passando, lembro de ficar estupefato toda vez que chegava ao fim de um dos livros, mal esperando pela oportunidade de devolvê-lo e pegar o próximo. Lembro de deitar ao lado da janela para que o Sol me esquentasse e iluminasse as páginas, já velhas e amarelas, de um papel poroso e áspero que produzia atrito com as mãos.

Depois, no meio/fim de minha adolescência, fiquei viciado em crônicas. Luis Fernando Veríssimo, para ser mais exato. Li os livros repetidas vezes, e acho que ainda lembro de muitas das minhas favoritas. Aí chegou o vestibular e boa parte de minha leitura passou pra estudar assuntos aleatórios e matar a lista de literatura obrigatória para as provas. Das listas todas (Fuvest, UFBA e UFF), só gostei de alguns livros. Nenhum deles era muito meu gênero, nenhum deles era deliberadamente fantasia, com mundos totalmente originais, mas sim muito mais pautados em cidades ou estados brasileiros, em épocas passadas.

Passado o vestibular, me afastei de livros, de maneira geral, sem perceber direito. Perto da viagem para o Canadá, porém, comecei a ficar preocupado avaliando entre levar ou não-levar os livros que temos aqui em São Paulo, ou ter entretenimento para todas as horas de vôo. Foi aí que resolvi comprar um Kindle. A praticidade do aparato, somada à textura e visibilidade do e-paper me encantaram, e ao abastecer a memória do bicho fui reencontrando essas histórias há muito esquecidas e explorando seus universos com novos olhos, preparados para ver mais fundo do que a história em si, e encontrando significados nas entrelinhas, ou capaz de apreciar melhor as decisões difíceis tomadas pelos personagens. Nenhum deles me decepcionou. Digo isso porque é muito comum com filmes. Tem aqueles que a gente viu no passado, e tem lembrança de como é um puta filme. Reassistindo, anos depois, acabamos por descobrir que não era tão incrível assim, que não era nem um bom filme, na verdade! Então, se nenhum dos livros me decepcionou na segunda leitura, é porque eram bons mesmo!

Alguns livros depois essa fase passou e o Kindle ficou abandonado numa prateleira em Vancouver. Perto desse retorno para o Brasil, desenterrei o menino, recarreguei, e coloquei umas coisas novas nele. O resultado desse revival é que nesse último mês eu li dez livros. Fui atrás de novas histórias, sem indicações dessa vez, e achei tanto coisas que eram divertidas mas rasas, e outros que apesar de não baterem com meu gosto natural acabaram impressionando e não foram totalmente processados – ainda não entendi porque gostei tanto. Curiosamente, nessa mesma época, reencontrei com Tânia algumas vezes para sessões de bioenergética e a base desse post começou a se formar em minha cabeça.

Só não consegui escrever antes porque tava viciado nos livros e terminando mais um!
Ler muito me dá uma puta vontade de escrever. Se preparem.

Acabei fugindo – sem querer – do cliché – mas nem por isso menos real – de ser transportado para outros mundos e viver aventuras impossíveis, porque todo e qualquer texto que fala de leitura acaba enveredando por esse caminho. Falei muito mais de mim, e da minha relação com os livros. Curioso. Ok, chega de auto-análise.