Day-to-Day

[PITCHING] Meu Rei.

August 26, 2010

Inspirados na tragédia grega de Sófocles, Édipo Rei, para a matéria de Dramaturgia Audiovisual, tínhamos que desenvolver uma proposta de adaptação contemporânea para a peça. Depois de desenvolvida a proposta, a idéia era vendê-la, num pitching, apresentando as informações mais importantes e convenientes para convencer os possíveis compradores.

O que é um pitching? É a situação onde você – roteirista, diretor, criador – vai tentar convencer os ali presentes que é uma boa coisa eles comprarem sua idéia/proposta/filme/série. São longas sessões, onde se reúnem importantes produtores, distribuidores, patrocinadores, figurões de maneira geral, e diversos projetos são apresentados, em intervalos curtos (dez minutos), de forma resumida, pra tentarem se vender e entrar em processo de produção. Na sala de aula a gente só não tem os grandes figurões (ainda), mas o resto todo tá valendo.

O projeto foi desenvolvido em grupo, do qual faziam parte Ana Carolina Ornelas, Marcela Návia, Mari Brecht e eu. Como vocês bem sabem, em resumo, a lenda de Édipo é que, quando bebê, um oráculo prevê que aquele filho está predestinado a matar seu pai e deitar-se com sua mãe. Então o casal se livra da criança, e muitas voltas acontecem, até que a profecia se concretiza. Édipo se torna rei da cidade e, com a chegada de uma praga que assola a população, ele recorre aos deuses para encontrar o culpado, desencadeando uma série de investigações que revelarão ele como culpado, justamente por ter cumprido a profecia. Um monte de desgraça acontece no meio do caminho, mas é bem isso aí.

Inicialmente estávamos meio desligados da obrigatoriedade de ser uma adaptação CONTEMPORÂNEA, então criamos todo um universo mágico no sertão nordestino do fim do século XIX. Tava uma coisa fenomenal. Aí descobrimos esse fato antes esquecido. CONTEMPORÂNEA! Fizemos uma série de adaptações na proposta original (conseguimos manter a maior parte dos elementos) e chegamos a essa outra.

A PROPOSTA

Meu Rei é uma adaptação de Édipo Rei, tragédia grega, para um ambiente moderno, um tanto desconectado de compromisso com a realidade, onde temos Orixás (divindades da Umbanda) que manipulam o destino de seus protegidos e desafetos.

Em termos de formato, Meu Rei é uma minissérie de TV, com cinco episódios bem estruturados, em termos de conteúdo, cada um com meia hora de duração e paradas estratégicas que prendem o público à trama, seguindo a tradição das novelas brasileiras, mas com uma influência forte de séries internacionais, onde temos finais de capítulo ainda mais intensos e reviravoltas inesperadas, temperando o conjunto.

Meu Rei se passa na Bahia atual, onde ainda detêm o poder coronéis que mandam e desmandam nessas terras. É uma trama marcada pela miscigenação e pelo conflito. Dinho é a mistura de raças, de religiões, de escolhas, de sentimentos, de éticas. A trama se desenvolve no sertão, em meio às lavouras de cana, onde homens e mulheres são explorados cruelmente pelos políticos e coronéis donos dos latifúndios. Acompanhamos a história de três/quatro gerações de uma família explorada por essas circunstâncias, e vemos como a desgraça se abate sobre eles, ainda que pensem que as coisas estão correndo bem.

A figura da esfinge é mesclada com a do verdadeiro pai (Laio) e ambos são substituídos pelo cruel coronel Arlindo. A mãe do Rei é Joana, estuprada quando ainda menina, em seus treze anos de idade, tem o bebê às escondidas e o mesmo é abandonado para a morte na aridez do sertão.

Na representação artística (cenários, figurino, maquiagem), temos influência direta das obras de Cândido Portinari, formas tortuosas, pontiagudas, mas ainda assim, cores muito vivas e uma fotografia mais fluida, maleável, como os destinos daqueles que ali se apresentam.

TRAMA RESUMIDA

Uma garota, Joana, tem um filho com um cruel e poderoso coronel baiano, Arlindo. Ele manda que a criança seja morta, uma vez que se trata apenas da filha de uma empregada. O primo de Joana – e capataz de Arlindo -, Creonte, coloca a criança em cima de um mandacaru, desejando-lhe uma morte mais dolorosa.

Um homem, Pedro, encontra a criança e a adota, não sem antes levá-la ao terreiro em busca de proteção. Lá, Pedro ouve a maldição de que essa criança matará seu pai e deitará com a mãe. Mesmo assim, ele e sua esposa, Maria, adotam a criança, chamando-a de Dinho. Pedro negocia com Pai Zito, o pai de santo do terreiro, que garante que a criança terá o corpo fechado.

Quando Dinho é um adolescente, Pedro e Maria são assassinados pelos homens de Arlindo. Dinho jura vingança e no meio de sua missão, cruza com Arlindo, assassinando-o. Ele chega à cidade e se apaixona por uma linda mulher, Joana, com quem tem quatro filhos, todos cegos. Ele se torna um homem popular no vilarejo.

A varíola atinge o vilarejo, assassinando a mãe de Joana e levando Dinho a tentar descobrir o motivo dessa desgraça. Dinho vai ao terreiro, incentivado por Creonte e descobre que a maldição se dá porque ele matou o pai (Arlindo) e deitou-se com a mãe (Joana). A princípio, ele não acredita, porém acaba se dando conta que a maldição é verdadeira e, com o suicídio de Joana – após a revelação – arranca os dois olhos com uma faca de Ticum, passando a vagar sem rumo pelo sertão.

PERSONAGENS

Dinho – Um homem confuso e constantemente perturbado. É ambicioso mas não sabe bem o que quer. Teimoso, violento e impulsivo. Sente-se constantemente perdido e é ligeiramente paranóico. Vingativo e pode agir com imaturidade. Tem uma cicatriz profunda no rosto, herança da luta com Arlindo.

Joana – Mãe biológica de Dinho, atrevida e de personalidade forte, é o tipo de mulher que seduz para conseguir o que quer. Despudorada e jocosa. Muito bonita e tem forte apelo sexual. Apesar desses traços é uma mãe dedicada e devota ferrenha da religião católica.

Arlindo – Pai biológico de Dinho, homem inescrupuloso e ambicioso. Não tolera que discordem dele. Pensa que toda a terra ao seu redor é sua e as pessoas que nela vivem são gado. Turrão, machista, despótico e violento.

Creonte – Primo de Joana, condescendente e um pouco invejoso. Tem personalidade fraca. Gosta de fazer intrigas, mas não ao ponto de ser descoberto ou causar muitos problemas. É ligeiramente hedonista e fútil.

Pedro – Pai adotivo de Dinho, homem doce e gentil. Geralmente faz coisas para agradar aos outros. Em especial, sua mulher. Carente de atenção e manso.

Maria – Esposa de Pedro, dedicada e devota fervorosa da Umbanda. Personalidade forte e muito brio. Levemente megalomaníaca dentro de suas possibilidades e acaba passando isso para o filho adotivo.

Pai Zito – Ranzinza porém generoso. Raramente aceita opinião de outrem ou faz o que alguém disse para ele fazer. Um pouco turrão, mas sabe ser gentil em troca do que lhe interessa. Sempre age com liderança apesar da idade avançada.

Episódio 1

A história começa com choros e gritos de uma garota desesperada (Joana), que é chicoteada. Uma mulher bate na garota, dizendo como ela desgraçou a família e vai ter que tirar o filho que carrega.

O choro da garota se mistura a um choro de criança. Um adolescente, Creonte, leva um bebê recém nascido para um mandacaru e o deixa lá, em cima da planta. A noite cai.

Creonte observa Joana tomando banho, apaixonado.

Na casa onde trabalha a mãe de Joana, seu patrão (Arlindo) a maltrata, dizendo que se ela não contar onde está a filha dela (Joana), será torturada.

O Sol nasce e um homem (Pedro) guia seu gado por perto do mandacaru. Ele ouve um choro de criança e a acolhe. Pedro chega com a criança para sua mulher, Maria, declarando que os Orixás tinham mandado um filho pra eles.

Pedro leva a criança até o terreiro de umbanda. O Exu, personificado por Pai Zito, diz que essa criança se chamará Dinho e que ela carrega uma grande maldição: que futuramente assassinará o pai e se deitará com a mãe.

Episódio 2

Pedro chega em casa sem a criança. Maria o obriga a pegar a criança de volta. Pedro conta à mulher o que Exu disse. Maria diz que se Exu diz isso, é porque não quer mais a felicidade daquele lar, então, que seja ignorado.

Pedro volta ao terreiro para buscar a criança e declara que por mais que tema tudo aquilo, sua esposa é mais importante. Pai Zito insiste que o garoto, Dinho, tenha o corpo fechado.

Arlindo é visto em sua vida de ostentação e crueldade, sempre tratando mal os empregados. Ele trai sua esposa com Joana, já uma mulher – mãe de Dinho -, que fica com ele a contra gosto.

Quando Dinho faz 17 anos, a fazenda de seus Pedro e Maria é invadida por capatazes do Coronel Arlindo, que quer tomar as terras para sua lavoura de café. Os capatazes matam os pais adotivos do rapaz. Dinho volta da lavoura e encontra o casal morto e sua casa destruída. Um homem conta que isso foi obra do Coronel Arlindo. Dinho jura vingança.

Episódio 3

Dinho viaja e se depara com Arlindo e três capatazes que fazem uma ronda pela fazenda. Eles trocam tiros e facadas. Dinho elimina todos os homens, no final da batalha, cospe no corpo morto de Arlindo.

Dinho chega em uma espécie de vilarejo. A noite cai, uma mulher o vê dormindo na rua e o chama pra dormir em sua casa. Essa mulher é Joana.

Na manhã seguinte, chegam as notícias da morte do Coronel Arlindo. Dinho conta para Joana que ele quem matou Arlindo, mas não sabia que ele era o Coronel. Ela pede para que ele fique em sua casa por mais tempo. Dinho aceita e resolve buscar trabalho na lavoura.

O tempo passa rapidamente, Dinho se torna um tipo popular na lavoura, sempre ajuda as pessoas do vilarejo, os trabalhadores o saúdam. Sua relação com Joana vai ficando mais íntima.

Dinho pede Joana em casamento.

Episódio 4

Dinho e Joana se casam.

A mãe de Joana pega varíola, assim como metade do vilarejo. Como Dinho se tornara uma figura popular, muitas pessoas correm a ele, pedindo ajuda. Sua própria esposa está desesperada com a situação da mãe.

Joana tem gêmeos cegos.

Dinho manda um médico vir da cidade para cuidar da mãe de Joana, mas ela morre antes que o doutor chegue.

O cemitério do vilarejo tem cada vez mais lápides.

Joana tem mais dois filhos cegos. Creonte, primo de Joana, aconselha Dinho a procurar o Exu. Ele reluta, mas se deixa convencer.

Dinho vai ao terreiro de Pai Zito. Exu profetiza que a maldição se dá por Dinho ter matado o pai e casado com a mãe.

Episódio 5

Dinho chega em sua casa rindo do Exu, contando como ele havia sido idiota em acreditar nisso. Que seu pai estava sim morto, mas pelas mãos de Arlindo.

Creonte pergunta pra Joana se ela nunca teve nenhum filho antes dos que teve com Dinho. Ela diz, constrangida que sim, mas que ele já está morto, pelas graças a Deus.

Dinho questiona a história. Joana conta que teve um filho há muitos anos, mas que fez Creonte matá-lo, pois era um filho bastardo que só traria desgraça. Creonte então conta que na verdade não matou a criança, mas deixou-a sobre o mandacaru, porque já que a criança era fadada a ser tão cruel, deveria morrer de maneira dolorosa.

Dinho mostra as cicatrizes em suas costas para Creonte e começa a gritar com Joana, perguntando de quem era esse filho. Joana corre para seu quarto e se tranca lá. Ouve-se um tiro de espingarda.

Dinho escancara a porta e vê Joana morta. Creonte surge ao seu lado dizendo como sempre tivera ciúmes da vadia da prima e que era ele quem deveria ter ficado com Joana. Dinho conta pra Creonte sobre seu corpo fechado e que o único jeito de matá-lo seria com uma faca de ticum, mas que ele não merece morrer. Merece coisa pior. Dinho arranca seus próprios olhos com uma faca de ticum e sai vagando pelo sertão.

  • Tito Ferradans August 26, 2010 at 10:50 pm

    Nesse mesmo processo de pitching ouvimos muitas boas idéias de adaptações nos mais diversos formatos. Inclusive uma bem divertida (a mais diferente, eu diria), do grupo da May, Bá, Nica e Victor, no formato de um curtazinho de comédia. Se sobrar tempo, pensamos seriamente em produzí-lo.

  • Ferradans. · [PITCHING] Desleal. September 29, 2010 at 9:51 pm

    […] expliquei o que era um pitching no post do Meu Rei, então vou direto ao […]