Day-to-Day

Sabedoria de Professor III

October 9, 2009

Mais uma epopéia de sala de aula pra vocês. O protagonista, dessa vez, é André/Guga, professor de física. O assunto da aula eram as unidades fundamentais, a partir das quais você consegue formar todas as outras (Kelvin, Metro, Kilograma, Candela, Ampére, Segundo e Mol). Devido à apatia da sala em relação ao tema, ele resolveu nos explicar porque ele fazia questão de dar aquela aula, entre todas as outras. Para tal finalidade, tomou como exemplo uma experiência de vida.

“Como vocês sabem, pessoal, eu sou de São Bernardo do Campo, e fiz meu ensino fundamental todo no Colégio Estadual Maria José (nota do editor: não lembro se o nome era esse, mas lembro que era nome de mulher) e lá era um colégio muito legal, diferente dos outros, porque lá… a gente não tinha aula. Mas, enfim, até a sexta série, a gente estudava pela manhã e voltava pra casa à tarde. No meio da tarde, passava meu desenho favorito, na rede Manchete, que era Cavaleiros do Zodíaco! Eu era viciado naquele desenho.

Então, em 1988, começou a sétima série, e a sétima era um ano diferente de todos os outros, porque era a única série que tinha as aulas à tarde. Logicamente, comecei a perder meu desenho favorito e precisei elaborar uma estratégia para conseguir acompanhar as aventuras dos Cavaleiros. Qual foi minha primeira conclusão? Era só matar as duas últimas aulas! Pronto, decidido, não via mais os últimos dois horários, ia pra casa mais cedo e pegava o desenho inteiro.

Depois de uma semana nessa situação, minha mãe virou pra mim e falou:

– Moleque, você tá faltando muita aula pra ver esse desenho.
– Mas mãe, é a melhor estratégia que eu consegui pensar!
– Então trate de pensar numa outra, porque essa sua estratégia tá muito furada!

Foi nessa fase que eu comecei a aprender como programar o vídeo cassete, sabe, vídeo cassete? VHS? Então, eu ia feliz da vida, antes da aula, programava pra começar a gravar cinco minutos antes do começo de Cavaleiros e terminar cinco minutos depois do horário que acabava o programa. Maravilha! Deixava a fita lá, bonitinha e ia pra aula. Quando eu voltava, estava pronto pra assistir. Via uma vez, rebobinava, via duas, três, pausava no meio pra desenhar uma cena, via mais uma vez, quando já tava quase escurecendo, o pessoal da rua ia jogar futebol, taco, qualquer coisa, e eu ia, deixando sempre a fita no ponto certinho de começar o episódio, pra não ter que me cansar procurando quando fosse assistir, mais uma vez, pela manhã, antes da aula. Foi nessa época que eu comecei a pegar um ódio profundo por uma mulher, pessoal…

Minha mãe – não! não é minha mãe que eu odiava não pessoal! hahaah! -, como passava o dia quase todo em casa e gostava de cozinha resolvia assistir Ana Maria Braga, que sempre trazia novas receitas. Essa sim era a mulher que eu odiava. Por que? Vocês já devem ter visto como é essa parte das receitas no programa. São vários ingredientes, e ela fala tudo muito rápido, então, minha mãe, no susto, ia e apertava REC, pra poder anotar as coisas com calma.

Qual a fita que tava dentro do vídeo? A MINHA! No ponto certinho de começar meu desenho! Toda vez que eu ia assistir antes de ir pra aula, ficava indignado, porque TODA VEZ, a mulher interrompia as batalhas zodiacais dos meus personagens favoritos. E, além disso tudo, eu não conseguia entender NADA das receitas!

Cozinhar me parecia um desperdício imenso de comida, na verdade! Ela ia falando “uma colher de sopa de milho” e eu pensando “porra, preparar uma panela de sopa de milho pra usar só uma colher nessa receita?!”, “uma colher de chá de ervilhas”, “chá de ervilhas? Isso existe?!”. Nada daquilo se encaixava, como vocês podem notar, mas a existência de padarias se tornava cada vez mais plausível, porquê, se pra fazer um pão, você precisa de algumas colheres de sopa de farinha, com a panela inteira da sopa, daria pra fazer vários pães! Isso explicava a abundância alimentícia nesses estabelecimentos! Mas, numa escala menor, simplesmente me parecia desperdício de comida.

Num feriado, muitos anos depois, eu já com dezesseis anos, estava em casa assistindo TV, quando minha mãe cismou que queria fazer um bolo de chocolate.

– Vamos, filho, fazer um bolo de chocolate!
– Não, mãe, eu não gosto de cozinhar não…
– Vai ser divertido! Você vai aprender como faz, pra poder fazer sozinho!
– Mas mãe, é tão complicado que eu nunca vou ter paciência de fazer sozinho!
– Não é complicado não filho!
– É sim, e eu nunca consigo entender as receitas.
– Como não entende?
– Por exemplo, essa aqui ó: “uma colher de sopa de açúcar refinado”. Como é que faz sopa de açúcar? E pra quê eu vou fazer uma sopa inteira de açúcar pra usar só uma colher no bolo?

Nesse momento minha mãe mudou de abordagem. Me lembro bem.

– Ô… idiota! Não é uma colher de SOPA DE AÇÚCAR. É uma COLHER DE SOPA de açúcar! A colher de sopa é uma forma de medida! A colher de chá é outra, a xícara, são várias coisas que você mede quantidades diferentes, mas mais ou menos parecidas entre si. Uma xícara aqui é uma xícara em qualquer lugar do mundo! Sendo assim, são medidas que servem pra qualquer lugar.

Para mim, o mundo mudou. Vi várias receitas se desmontando em minha cabeça, parecia que tudo estava diferente, e eu olhava meus arredores com olhos diferentes. Minha mãe me mostrou o caminho da iluminação, e por isso estou aqui hoje dando essa aula de medidas pra vocês!”

Ele ainda tentou se defender, dizendo que essa compreensão errada das medidas em colheres era algo comum entre as pessoas. Não apareceu ninguém pra confirmar…

  • FiuzaLima October 9, 2009 at 1:52 pm

    Namoral, pare com isso, cospi um gole de água no monitor do trabalho por sua culpa.

    “Cozinhar me parecia um desperdício imenso de comida, na verdade! Ela ia falando “uma colher de sopa de milho” e eu pensando “porra, preparar uma panela de sopa de milho pra usar só uma colher nessa receita?!”, “uma colher de chá de ervilhas”, “chá de ervilhas? Isso existe?!”. Nada daquilo se encaixava, como vocês podem notar, mas a existência de padarias se tornava cada vez mais plausível, porquê, se pra fazer um pão, você precisa de algumas colheres de sopa de farinha, com a panela inteira da sopa, daria pra fazer vários pães! Isso explicava a abundância alimentícia nesses estabelecimentos!” <— hahahahahhahahaha!!!

  • Tito Ferradans October 10, 2009 at 6:34 am

    Não tem como não rir com essa história. Eu chorei (“chorar” do verbo “verter lágrimas”) de rir na aula, enquanto ele contava.