Day-to-Day Specials

Seis Meses em Retrospectiva – um título que não representa nem metade do post.

December 6, 2014

Ok, tem seis meses e umas duas semanas, mas ainda tá valendo, tá perto o suficiente. Esse post é uma montanha russa, então, nem se empolguem muito nas partes eufóricas ou se preocupem nas depressivas!

O que me motivou a começar esse post foi a arrumação de arquivos de ontem, quando comparei o tanto de material produzido ao longo desses três terms de VFS.

Term 1 – 06gb
Term 2 – 25gb
Term 3 – 60gb

Achei a gradação curiosa, e resolvi escrever um apanhado muito doido, como verão.

Quando me mudei pra Vancouver, em Maio, vim mentalmente preparado pra um curso puxado, pra ter aulas infinitas todos os dias da semana e várias tarefas para fazer no tempo livre. Vim pensando em comprar uma bike e não andar de ônibus, vim pensando que aqui não neva e que ia ser tranquilo aguentar o frio. Carreguei comigo duas malas tão pequenas que todo mundo que viu achou surreal. Trouxe o mínimo possível. Só roupas práticas, finas e quentinhas, roupas o suficiente pra durar uma semana e meia se não desse tempo de lavar num fim de semana. Trouxe UM livro, muito relacionado com o assunto a ser estudado. Até minha toalha era daquelas de camping, que seca guardada e é menor que uma camiseta. Planejei meticulosamente todos os meus passos pra, se tudo desse errado, e eu ficasse preso num aeroporto por dez dias, minha malinha tinha tudo que eu precisava. Se eu não achasse onde ficar definitivamente nesse tempo, também dava pra sobreviver na cidade.

Trouxe dinheiro em dinheiro, porque nunca se pode confiar totalmente num cartão de crédito, trouxe meu único casaco de frio de verdade e dois pares de luvas que esquentam e ao mesmo tempo não me impedem de trabalhar. Pensando agora, acho que eu devia ter trazido mais tralha.

Além de todas as minhas coisas, ainda trouxe na malinha quatro caixas de café para o Wyll, que me recebeu por aqui.

Computador, comprei aqui, porque não dá pra viver sem. Acho que a ÚNICA coisa da minha bagagem que realmente me representava era a câmera, e mesmo assim, em sua configuração mínima. Me empenhei em vender TODO o equipamento fotográfico exceto peças chaves e lentes com extremo valor sentimental (e financeiro! hahaha). Mesmo no que eu sou sangue quente, eu fui sangue frio.

Cheguei por aqui e a vida foi bem fácil nos três primeiros meses. O term 1 era puxadinho, muita coisa nova, mas rolou numa boa. Muita gente nova, gente de toda parte do mundo, com pensamentos e culturas totalmente diferentes, falando uma língua diferente, que também é diferente de sua língua nativa, inclusive eu. O rush de “tudo novo” era incrível e dava gás pra fazer as coisas com muito ânimo. O verão ajudou um bocado também, com dias que começavam às 4 da manhã e que o Sol só descia às 10 da noite, calor de sobra, nada de chuva, uma brisa boa de praia, tudo perto de tudo, pessoas bem humoradas e dispostas a ajudar em qualquer situação (a gentileza canadense é real, mas tem suas exceções), a vida era só beleza.

Logo antes de começar o term 2 a May chegou por aqui também. Fiquei ansioso, passei uma semana comendo quase nada, só esperando ela chegar. Saudade da porra, dois meses longe é foda. Decidimos até casar, o que também foi (e ainda é) grande motivo de alegria. Acabou o break e as aulas da May começaram. As minhas recomeçaram.

Puta que pariu, o term 2 foi pesado. Tão pesado que quando a gente conversa na sala, e lembra dos idos do term 1, a sensação é que tem mais de um ano. O verão tava acabando e começava a chover mais. As árvores iam ficando amarelinhas. Deixei de fazer muita coisa porque tava correndo contra os assignments e apanhando de algumas aulas que eram difíceis de acompanhar. Quando o term 2 acabou, e tivemos um break de 4 dias, as coisas ficaram meio confusas. Era estranho num dia ter um bilhão de tarefas altamente complicadas e elaboradas pra entregar e no dia seguinte não ter nada. NADA. Bateu um puta vazio. Sabe, qual o sentido disso aqui? A gente quer ficar aqui pra sempre? Qual o objetivo? E aí eu fiquei mal. Fiquei bem mal.

No último dia do break, um domingo particularmente dramático, deprê, de chuva e frio, chorando e conversando com a May, achei um fiapinho de luz pra me agarrar e seguir. O term 3 foi meio descompassado. Em termos de aulas e assignments, foi bem mais tranquilo. Fiquei amigo de muita gente na sala também – até então era só colega, foi aqui que começou a mudar. O que ia bem em termos de trabalho e estudos ia caindo e quebrando em termos da vida. Fui parando de comer, não tinha fome ou não tinha vontade de colocar nada na boca. Ficava enjoado de comer meia fatia de pão, ficava enjoado de ansiedade pra qualquer coisa, tinha dias terríveis de fim de semana, onde o único objetivo do dia era esperar o dia acabar.

Logo no começo do term, comecei a fazer terapia via skype. Até começar a primeira sessão, não tinha botado muita fé na experiência. Ao fim da primeira sessão, fiquei me perguntando porque não tinha começado antes. O processo ainda tá avançando, mas já descobrimos coisas bem relevantes. O que eu tinha feito com minha malinha, seis meses atrás, eu tava fazendo comigo mesmo agora. Se tem chance de ser desnecessário, é descartável. Tava ficando vazio de mim mesmo, corpo sem recheio (física e espiritualmente) enquanto a cabeça lógica e calculista mantinha tudo funcionando no limite. “Você precisa voltar a investir nos seus desejos, Tito”, Paulo, o analista, me falou. “Como é isso, Paulo? Eu não tenho vontade de nada!”, “Tem sim, só tá bem fraquinha. Você vai perceber, nos próximos dias, que algumas coisas te chamam. Não ignore, siga. Aos poucos, vai voltando ao normal”. Putamerda, que parada abstrata. Na lata, a única vontade nessa hora era de chorar, e então foi isso que fiz, e foda-se.

Essa conversa foi terça feira dessa semana. De lá pra cá, de fato, achei coisas que me chamavam. Andei pela cidade como não fazia há meses, sem a pressa e preocupação de ter que prender a bike em nada, assistindo o mundo enquanto o ônibus vai de um lado pro outro, gastando tempo em coisas que não tem NADA a ver com meus assignments (passei uns quarenta minutos numa loja de quadrinhos, só olhando as capas), providenciei um adaptador para uma lente que tava na mochila há seis meses, COMPREI uma lente (e viajei uma hora e meia de trem pra buscá-la…), coisas que não eram parte dos meus deveres, só desejos.

Na semana passada eu comecei uma viagem de que como eu tô sempre enjoado e nada quer entrar é porque algo tem ou quer sair, então comecei a falar e agir de acordo com minha vontade e sem me preocupar muito em agradar os outros. Tive uma mega conversa com meus pais, falei que tava morrendo de saudade, chorei daqui, eles choraram de lá, falei que tava magro, que não tava comendo direito, que o frio desgraçado fazia tudo parecer pior. Eles foram as pessoas mais incríveis do mundo, ficamos horas conversando sobre providências possíveis e o que eu mais gostei disso tudo é que eles nem tentaram me obrigar a nada. Sei lá porque a gente tem essa impressão de que os pais querem obrigar a gente a fazer as coisas… Depois de alguns muitos minutos já estavam eles de lá, falando que era muito bom comer chocolate, mas chocolate do bom, porque é bom pro raciocínio, tem gordura, tem leite, e por aí vai. Nos dois dias seguintes, meu pai ligou pra cá de manhã cedinho – que pra ele é perto de meio dia – pra conversar sobre nada. Nos outros dois dias, conversei longamente com minha mãe, também sobre nada específico. Conversar em português faz falta, conversar com gente conhecida faz mais falta ainda. Percebi que só escrevo em português aqui nesse blog. Em quase quatro meses de aula, fiz UMA anotação em português no caderno.

Voltando aos desejos e à terapia, hoje eu reparei uma coisa em comum com tudo que me animou nesses dias: foto. Caralho, hein? Eu digo pra mim mesmo que vou deixar essa vida pra trás e ela me persegue! Acho que não é saudável tentar dosar o que fala com nosso eu-de-dentro e vou passar a apostar nisso. Eu achei que meu conhecimento de foto ia ser uma grande ajuda pra entender coisas de 3D e compositing, mas não é bem assim. Pessoas de 3D e compositing tendem a ser um tanto simplistas quando a conversa se chega perto de uma câmera. É um “mínimo para fazer funcionar”, e só em termos práticos. A maioria das coisas não tem interpretação nem justificativa.

Aquelas aulas de história e baboseiras teóricas da USP que eu tanto desci a porrada, lembra? Pras várias pessoas que eu falei que “audiovisual só vale a pena pelos contatos”? Eu retiro essa opinião. Não é um curso perfeito, nem de longe, mas o que a gente aprende com as aulas de história, e nas discussões, e conversas de corredor, e desenvolvendo projetos e tentando justificar nossas idéias, amarrando a técnica na teoria (“aqui a gente usa bem pouca profundidade de campo porque é mais ou menos assim que o personagem tá nessa cena”, e por aí vai), isso tudo é de um valor imensurável.

A técnica se aprende na marra, penando e se esforçando. A teoria é mais refinada. Decidi andar na corda bamba entre as duas coisas e ver pra onde isso vai me levar.

Voltando pro mundo da foto, depois de seis meses, finalmente fui testar o diabo da lente (comprei o adaptador errado ontem, e fui hoje trocar, depois tenho que escrever sobre andar de ônibus em Vancouver). É tipo um Iscorama 54, só que com stretch de 1.33x ao invés de 1.5x. Eu só queria tirar uma foto pra checar se o foco tava funcionando direito, se a lente tinha algum defeito, essas coisas. É uma anamórfica bem incomum e tem pouca informação sobre ela na net. Liguei a câmera, apontei pra quina do quarto e gostei da composição. Meu objetivo inicial: apertar o botão e pronto. Quinze minutos depois eu tava ligando abajur, fechando cortina pro quadro ficar mais bonito, escolhendo os objetos em cima da bancada e elaborando o workflow depois que a foto estivesse no computador. Foto é demais pra mim. Eu não CONSIGO só apertar o botão, e eu não acho que isso seja ruim.

Enfim, o resultado do teste, a UMA foto, foi essa aqui:

Que além de representar uma pá de testes técnicos que eu não vou descrever aqui (não nesse post, pelo menos), tem vida, mesmo não tendo nada vivo em quadro. Essa foto sou eu e a May, juntos. Ela é o vermelho, é o violão, é o toca discos, é o calorzinho. Eu sou a lentezinha, o azul da janela, o abajur achado no portão da garagem, o formato anamórfico.

Acho que falei isso nos post anteriores, mas a May é genial. Ela tá praticamente morando na VFS pra dar conta do term 2 (que também é super pesado pro Sound Design), eu geralmente tô em casa trabalhando ou na VFS também (campus separados), mas mesmo assim, nunca me senti tão em sintonia com alguém na vida. É uma coisa tão louca que não dá nem pra botar em palavras (clichêêêê), é um porto seguro, é onde eu sei que posso ser absolutamente eu mesmo, e ela pode ser ela mesma, é jogar donkey kong antes de dormir e xingar as porras das fases de carrinhos e foguete, é arrumar o café da manhã no piloto automático e gostar de acordar 7 da manhã, é ter as conversas mais loucas e honestas do mundo no meio da madrugada, é aquela vozinha que diz que vai ficar tudo bem, quando o mundo é uma tempestade de desgraça, e que você acredita, porque vai ficar mesmo.

Antes que eu comece a viajar, pra fechar o post, esses somos nós, sem nós, com a lente que eu fui em Surrey buscar.

Não sei se ficou tudo amarradinho como eu queria, mas definitivamente é um dos posts mais pessoais desses seis anos de blog, então foda-se.