Day-to-Day

Sem Casa Definida – mimimi, eu eu eu.

January 11, 2015

Apesar de ainda ser o décimo dia de 2015, parece que tem séculos que voltamos do Brasil. Esse post vem na rebarba das reflexões do trajeto Vancouver – São Bernardo – São Paulo – Salvador – São Paulo – São Bernardo – Vancouver em menos de duas semanas. A sensação de “visitar” esses lugares todos onde morei por vários anos e me sentir um hóspede em cada um deles foi algo totalmente diferente. De não ter obrigações de fazer nada, de poder ficar à toa o dia inteiro, de não ter que sair pra comprar comida, de não ter que arrumar a casa, lavar a louça, essas coisas que geralmente sobram pro dono da casa. Ok, em São Bernardo eu tava na casa da May, e nunca tive um quarto lá (mas já aluguei bastante o beliche de cima!), mas em São Paulo, entrar no apartamento foi a primeira das experiências.

Era o mesmo lugar, o mesmo espaço, o mesmo endereço, os mesmos objetos, mas ao mesmo tempo, parecia algo totalmente diferente e novo. Lila tá morando sozinha lá já tem quatro meses – e já tem seis que eu saí – então tava BEM a cara dela. O nosso quarto (meu e da May) tava quase igual ao que era, com todas as roupas no guarda-roupa, penduradinhas, todas as caixas e restos de equipamento que eu tinha deixado organizado, tudo exatamente no mesmo lugar, como congelado no tempo. Acho que nunca ter passado tanto tempo longe foi justamente o que me trouxe essa sensação, de que a casa toda tinha andado, mas o meu “eu” daquele apartamento ainda era o mesmo, que usava as mesmas roupas, lia os mesmos livros e quadrinhos, e dormia na sala assistindo TV quando a May não tava lá pra gente dormir junto. O eu que leva as garrafas de água da geladeira pra deixar do lado do sofá e não ter que levantar pra pegar depois. Que come bolacha Maria com requeijão assistindo série, sei lá. Se eu tivesse ficado em São Paulo, pode ser que nada mais dessas coisas fosse verdade.

Essa foto é tão velha que eu nem lembrava que um dia esse quarto tinha sido tão caótico. Dessa configuração até a configuração de móveis, cama, armário, que deixei pra trás, o ritmo das mudanças era quase constante. A cada mês ou dois a gente trazia algo novo, inventava algo pra mexer, trocava coisas de lugar, pendurava algo na parede, melhorava a cortina. Parecia que o lugar tinha vida própria, mas acho que a vida dos lugares quem faz são aqueles que os habitam – eu juro que ainda não achei as palavras pra traduzir a sensação de tempo parado, por isso que ainda não mudei de assunto.

Acabei ficando pouco tempo por lá antes de ir pra Salvador – menos de 24h. E mesmo esse intervalinho já foi tempo mais que suficiente pra pausar o Tito-Vancouver e apertar play no Tito-São-Paulo. Dormi no sofá, vendo TV, já que a May não tava comigo. Espalhei um monte de equipamento no tapete da sala pra arrumar nas mochilas – como faria na véspera de uma diária – rearrumei caixas, joguei coisas fora, li mais um tanto no sofá, enquanto ainda tinha luz lá fora, me livrei de todos os casacos e vesti bermuda e camiseta – que estavam abandonadas no guarda-roupa, vale lembrar. Roubei um chinelo de Lila, pra manter a tradição.

A sensação é que a vida em São Paulo não tem o drama do desconhecido que a vida aqui tem.

Aí veio Salvador. Salvador já tinha um quê de “passado”, porque nossos quartos (o meu e o de Lila) praticamente não são usados quando a gente tá por lá, e quem usa mesmo a casa é minha mãe. Em Salvador eu deixava as roupas que eram muito velhas ou inadequadas pra São Paulo – muitas bermudas, roupa de banho, infinitas camisetas da Paperball, infinitas camisetas do Arraial, essas coisas. Acho que os seis meses passaram sem ninguém nem abrir as gavetas daquele armário.

A casa em si tem bastante vida e tá sempre mudando, mas o quarto eu acho que não muda nada desde que fui pra São Paulo em 2008. Na verdade, eu tô sempre me empenhando em esvaziá-lo toda vez que apareço. Primeiro tirei o computador, depois fui jogando fora o monte de tralha que se acumulava lá por conta da Paperball – restos de equipamento, roupas estranhas pra figurino, cadernos meio escritos – e roupas que entre uma visita e outra acabam ficando velhas e dôo adiante. Teve uma vez que achei OITO mochilas diferentes dentro de um dos armários. Enfim, tô começando a viajar demais.

A grande diferença em Salvador não foi a sensação da casa em si, mas sim a programação e atividades, foi ver que todo mundo segue sua vida. Foi encontrar com Fabute, Cogo, Deígo, Donk, Piu, Eliza e Nanda uma vez só em quase uma semana, ter um reg que não era lá em casa, ver todo mundo capengando de sono antes da meia noite por causa de trabalho, acabar o reg sem ninguém bêbado, ficou uma sensação de que a gente tá mais sério, mais adulto. Não sei se é verdade, só sei que foi a impressão que fiquei. Pode ter sido uma grande piada onde eu era a vítima! Foi um reg tão diferente que até ouvi histórias novas sobre acontecimentos recentes, e não repetimos histórias clássicas. Hahaha!

Se a vida em São Paulo não tinha o drama de Vancouver, a vida em Salvador não tem nem a seriedade da vida de São Paulo. Em Salvador eu absolutamente não ligo pra nada – se eu tô com cara de arrumado ou bagunçado, que horas eu acordei, ou se tenho que fazer algo no dia, eu juro que perdi a conta dos dias da semana! Salvador também tem seguranças que só existem lá: sempre tem muitas opções de comida na geladeira, sempre tem chocolate na despensa, sempre tem uma brisa boa pela janela, sempre tem mosquitos pra chuparem nosso sangue no deck e, se deixar, Kiko sempre entra no quarto pra dormir, mesmo que eu fique no computador até quase o dia nascer – o que é a coisa mais fofa do mundo.


May e Kiko

Voltando ao quarto, sem Kiko, por enquanto, descobri que boa parte das camisetas tava com um cheiro e textura estranhas. Mofadas! Muito tempo guardadas, exatamente como tinham sido deixadas. Essas coisas que a gente deixa são de “outros eus”, um eu que usa bermuda, chinelo e camiseta da Paperball, em Salvador, que come pão de mel e passeia de carro com minha mãe, que adora o calor e vive no calor, que brinca com gatos de manhã, de tarde e de noite. Um eu eternamente de férias e sem agonia pra nada. Um eu que sonha com trabalhar com filmes e fotos.

Em São Paulo, um eu que trabalha com filmes e fotos, que tem equipamento em casa, que corta fio, conserta cabo e desmonta lente, um eu que lê sobre cinema e (uns poucos) quadrinhos, que assiste tanto filme e série que tem um HD conectado direto na TV, com os melhores, pra ver coisas repetidas. Que sai de carro de madrugada pra não pegar trânsito – e mesmo assim não consegue evitar engarrafamentos -, que pede pizza pro jantar, que assiste Walking Dead com Lila e May no sofá da sala, comentando os dramas de uns episódios e reclamando do ritmo arrastado de outros. Que joga Catan com frequência, que compra coisas no eBay e torce pra elas escaparem da alfândega. Um eu que sonha em trabalhar com pós-produção.

Finalmente, estamos de volta em Vancouver. Vancouver ainda é novo. Seis meses é muito tempo no ritmo da VFS e pouco tempo no ritmo da vida. Acho que é esse desencontro relativo que faz as coisas parecerem estranhas. Tem cinco dias desde que as aulas começaram e a sensação é de cinco semanas. Cada dia é ridiculamente longo e tem muitas e muitas coisas pra fazer, sem contar com as coisas que não são da VFS. Acho que é por isso que quando tem dia sem aula, a última coisa que me passa pela cabeça é ser produtivo. Hoje a gente passou o dia todo largado aqui, sem fazer NADA – jogando Worms Armageddon de manhã e assistindo MasterChef Brasil de tarde – e pra mim foi um dia ótimo.

O meu eu de Vancouver ainda não tá definido. Ele tem rachaduras, porque é como se fossem dois eus, num mesmo lugar. Eu-VFS e eu-Casa, sendo que cada um deles tem como objetivo máximo forçar o outro a adotar seu próprio ritmo. O eu-Casa quer que eu vá devagar e faça menos coisas por minuto. O eu-VFS quer acelerar até o fundo pra evitar a pressão de não estar indo rápido o suficiente, e continuar ajudando o resto da turma em tudo que pode.

Nessa maluquice de dupla-realidade, quem mais se quebra é quem tá por perto e tem que conviver com as duas identidades: a May. Acho que se eu fosse ela, já teria perdido a paciência comigo, porque em muitos momentos até eu mesmo perdi a paciência comigo, mas ela não desiste. Eu não sei se morar sozinho seria mais fácil, mas acho muito difícil vencer a companhia de alguém que dá tanta coragem e inspiração pra ser uma pessoa melhor.

Depois de falar tanto dos quartos e casas passados, vou encerrar com essa foto do apartamento, que agora tá em sua versão mais “estável”, depois de muitas e muitas mudanças ao longo de cinco meses – quando eu cheguei aqui, era só um colchão no chão, uma poltrona, notebook e umas mesinhas que nem existem mais. Se os outros dois quartos estão congelados, esse aqui tá muito vivo, mas apesar de fazer tudo que é responsabilidade do anfitrião – lavar roupa, lavar louça, essas coisas que já falei – o desencontro de ritmos e o caráter incerto da estada após o curso me impede de ver esse apartamento como uma casa oficial. É engraçado, curioso e um pouco triste.