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September 2012

Anamorphic Day-to-Day

[Anamórficos I] Historinha.

September 6, 2012

Vou aproveitar o tempo livre e as novas pesquisas para escrever sobre o assunto em português, uma vez que as fontes são praticamente nulas.

O que são essas tais “anamórficas”? Do dicionário, “Diz-se do dispositivo ótico que aumenta diferentemente a imagem em cada um de dois meridianos perpendiculares”, em outras palavras, é um dispositivo ótico – nesse caso, uma lente/adaptador – que distorce o eixo horizontal da imagem captada. É o chamado “fator de stretch”, que pode variar nos valores 1.33x, 1.5x e radicais 2x. Isso significa que a imagem estará espremida horizontalmente, e que para deixá-la normal, você tem que esticar a dita cuja nessas proporções. Se você já usou mini-dvs, deve lembrar de um troço chato chamado pixel aspect ratio, que valia 0.9 quando a imagem era 4:3 e 1.2121 quando era widescreen 16:9. É a proporção de “esticamento” aplicada a cada pixel no eixo horizontal. O squeeze dos anamórficos funciona exatamente dessa forma.

Mas e qual a utilidade de uma coisa que fica toda torta na câmera, e depois obrigatoriamente você ainda tem que tratar, para ver direito? As anamórficas “nasceram” para o uso cinematográfico em meados da década de 1950, quando a Twentieth Century Fox comprou os direitos sobre essa técnica, que viria a se desdobrar no famoso – e desejado – Cinemascope, 2.4:1, proporção da tela na qual a horizontal tem o tamanho da vertical multiplicado por 2.4x.

Antes disso, a indústria já havia chegado à conclusão de que a imagem mais comprida na horizontal é mais agradável aos olhos humanos, mas para criar essa diferença de proporção entre os eixos, antes das anamórficas você desperdiçava uma parte do negativo 35mm, com barras pretas em cima e embaixo (imagens abaixo), ou desenvolvia um novo formato de película. Desenvolver um novo formato de película para ser usado em alguns filmes apenas não me soa como bom negócio. Imagino que vocês devam pensar o mesmo. Já que estamos falando da indústria americana, onde tudo é o mais padronizado possível, para eles também era mais simples criar uma nova saída para esse problema, nas lentes, e não na película.

Surgiram então, mais ou menos na mesma época, três métodos de anamorfose: um baseado em prismas, usado pela Panavision, um outro, a partir de espelhos curvos, chamado Technirama, e por fim, o que veremos mais a fundo pois é o que se firmou como padrão, lentes curvas, que espremem a imagem sendo fotografada, que deu origem ao Cinemascope.



Um frame de película e as soluções para obtenção de uma imagem widescreen. Letterbox e anamórfico, respectivamente.

Esse projeto foi levado a cabo por um astrônomo e inventor – do tempo que ainda existiam pessoas cuja profissão era inventar coisas – francês chamado Henri Chrétien. E o senhor Chrétien foi um inventor e tanto, porque além das anamórficas que lidamos hoje, inventou também um design de telescópio que ainda é dos mais usados até hoje nos observatórios e telescópios espaciais, como o Hubble.

Em seu projeto de lente, a compressão da imagem varia de acordo com a curvatura do vidro. Tradicionalmente, um squeeze de 1.33x. Suas lentes anamórficas eram compostas, grosseiramente de dois “blocos”, o bloco dianteiro era o elemento responsável pela anamorfose, e o bloco traseiro era uma lente esférica comum, unidos numa construção só. Uma vez que a imagem era captada espremida no filme, era necessária uma outra lente anamórfica na hora de projetar a película. Essas existem e sobram no mercado externo, são enormes, coloridas e brilhantes – sim! – pesadas pra cacete e tem um foco mínimo ridiculamente longe, uma vez que foram feitas para projetores e não câmeras.

Enquanto isso, do outro lado do mundo – já que estamos falando em tempos de Guerra Fria, onde a Rússia era uma grande potência em termos de tecnologia – surgiam as LOMO anamórficas, lentes russas produzidas pela maior – única – fábrica óptica, responsável por todo o equipamento de câmera do país. Essas lentes eram produzidas apenas para filmes, e diferentemente do desenho americano, os blocos anamórfico e esférico eram separados por natureza, mas podiam ser unidos seguindo padrões de projeto – um bloco desenvolvido para uma 50mm não funcionaria corretamente numa 35mm por exemplo. E eles fizeram um bocado de lentes assim. Lentes resistentes, que se espalharam, majoritariamente pela Ásia. Diferente dos padrões americanos, as LOMOs tinham um squeeze de 2x.


LOMOs OCT-19 – squeeze 2x

No início da década de 60, a ISCO Optics of Göttingen, fábrica alemã, contrata o projetista das LOMOs anamórficas, copia descaradamente o projeto russo e lança uma série de lentes anamórficas, também diferente das russas e americanas, com um squeeze de 1.5x, voltada para “ricos fotógrafos amadores”. Essa série consistia de um elemento frontal anamórfico – fórmula que dá certo se repete, né? – acoplado a uma 50mm f/2.8 barata (Exakta, Minolta, Nikon F ou Praktica M42).


Iscorama Praktica M42 – squeeze 1.5x

Pouco tempo depois, em meados de 1980 – ok, não tão pouco tempo assim -, os usuários dessas lentes descobrem que era possível separar os dois blocos, e adaptar a parte anamórfica em outras lentes. A ISCO, muito esperta, aproveita essa deixa para lançar modelos atualizados apenas dos blocos anamórficos, num produto totalmente seu, sem as lentes esféricas de outros fabricantes. Nascem aí os famosíssimos – sério, se vocês continuarem lendo ou pesquisarem sobre o assunto, eles são os mais falados – Iscorama 36, 42 e 54. Admito que fiquei muito tempo tentando entender esses números e só na semana passada eles fizeram sentido, enquanto eu olhava uma tabela. Esses valores são o diâmetro do elemento anamórfico traseiro das lentes. Informação fundamental na hora de projetar/comprar um adaptador para elas. A variação de peso entre os três é drástica, onde o Isco36 pesa meros 400g, e o Isco54 passa de 1kg. Pense aí como é trabalhar com um treco na frente da sua lente, que pesa mais de um quilo.

Já tava quase passando para o próximo ponto sem falar o motivo pelo qual os Iscoramas são tão famosos! Nessa contratação secreta e roubo do desenho russos, o criador dessas lentes criou um projeto onde você deixa a lente base focada no infinito e faz foco no seu assunto apenas no Iscorama. E então, ele quebrou as pernas de toda a concorrência existente, e que viria a existir, patenteando o design. Assim surgiam DUAS das maiores dificuldades de quem trabalha com anamórficos hoje.

A primeira: passagens de foco. A menos que você esteja usando um adaptador de focus-through (chegaremos a eles mais adiante), para fazer uma passagem de foco enquanto filma, você tem que girar o anel de foco dos dois blocos ópticos. O da lente base, esférica, e o do elemento anamórfico ao mesmo tempo.

A segunda: conseguir um Isco. Ok, essa dificuldade é recente, de 2009 pra cá, mas também chegaremos a isso mais adiante.


Iscoramas – foto por Redstan

Resumindo então até aqui: baseado numa necessidade de criar imagens mais compridas e não reprojetar todas as câmeras e fábricas de película do mundo, surgem as lentes anamórficas, que se encaixam na frente das tradicionais lentes esféricas e comprimem a imagem horizontalmente. Os russos não ficam atrás e também desenvolvem as suas. Alemães roubam a fórmula russa e lançam os Iscoramas, que detém a patente do foco único.


Hypergonar HI-FI 2 – squeeze 2x

Nesse embalo, Japoneses também fazem algumas anamórficas (Kowa e Sankor), com squeeze de 2x e o próprio Henri Chrétien, através da Societe Technique Optique de Precision lança alguns modelos para câmeras e projetores, as Hypergonar.


Kowa for Bell & Howell – squeeze 2x

O mercado vai mudando, e enquanto muitas dessas lentes eram úteis com os formatos de 8mm e 16mm, com a chegada do vídeo, e posteriormente do digital, elas caem em desuso completo. As lentes das câmeras não são mais intercambiáveis, e elas nunca foram muito populares entre fotógrafos “still”. Em meados de 2008, todas essas lentes – inclusive os Iscoramas – podiam ser compradas por menos de US$200 no eBay.

As últimas adições à lista de anamórficos que vamos debater aqui surgiram depois que as mini-dvs ganharam espaço no mercado. São adaptadores focus-through – aqueles que eu falei lá atrás -, e têm esse nome porque não possuem um anel de foco, apenas um anel de alinhamento, pro squeeze ficar alinhado no eixo certo, e você faz foco apenas na lente base. As principais marcas são Soligor e Century Optics, com bocais de 52mm, 58mm e baioneta Sony, e, claro, no auge de sua fama, a DVX100, a câmera que revolucionou o cinema independente, também ganhou um, projetado pela Panasonic, o AG-LA7200.


Panasonic AG-LA7200 – squeeze 1.33x

Esses adaptadores, por sua vez, não tem como objetivo produzir uma imagem em Cinemascope. Como vocês devem lembrar, a maioria das mini-dvs, e até a DVX100, filmava em 4:3, e esses adaptadores serviam justamente para permitir o famoso widescreen – mais uma vez de volta à sua função original. Mas eles não fizeram tanto sucesso porque eram relativamente caros, e ninguém tava disposto a pagar tão caro por tal luxo. Caíram também no esquecimento e pararam de ser produzidos.

Mas as coisas estavam prestes a mudar completamente. 2009 foi o ano da mudança. Mas agora chega, porque esse post já tá muito grande. Termino a historinha dos anamórficos no próximo post, e já começo a falar das coisas mais práticas e particulares de cada uma dessas belezas.

Anamorphic Day-to-Day

[Anamórficos 0] Vendendo o Peixe.

September 6, 2012

E então eu decidi que esse ano seria de experimentações extremas e fugiria do tradicional mesma-coisa que vinha fazendo nos últimos anos. E a lista de experimentações é longa, mas isso não vem ao caso. Assim como “aprender 3D” – que eu tento a cada dois anos, desde 2006 – “filmar em Cinemascope” estava na minha lista de experimentações.

No entanto, sempre que considerei o Cinemascope, me batia com um problema sério: filmar em Cinemascope em minidv, ou DSLR envolve jogar fora quase metade da imagem captada, o que, convenhamos, é um desperdício. Pra fazer um quadro decente, ou você vai num extremo grande-angular, com muita profundidade de campo, ou você assume que tá jogando imagem fora, e corta pedaços importantes dos seus personagens. Sem falar que para conseguir um plano geral o suficiente é um sacrifício.

Em meados de 2010, me bati com alguns artigos que falavam de lentes anamórficas, que tornavam possível filmar em Cinemascope, sem ter que jogar imagem fora. Tudo que li na época – ou tudo que lembro – era maravilhoso.

A imagem é comprimida no sensor, fazendo com que sua resolução horizontal final não seja de 1920px, e sim de 2550px, ou até mesmo de 3840px – convenhamos, 4K numa DSLR é uma coisa bem difícil de se imaginar. Você não joga fora partes da imagem e sim incorpora coisas que estariam além do campo de visão da sua lente original. Além disso, flares ganham uma cara maravilhosamente diferente do borrão/estrela tradicional, e os desfoques (bokeh) se tornam ovalados, com muito mais cara de cinema.


Comparação entre as diferentes resoluções. (ampliável)

Sério, lendo coisas assim, e vendo vídeos-teste que nem esses aqui embaixo, quem não se convence que é uma idéia interessante?

Deixei o tempo passar e acabei esquecendo desses brinquedos excêntricos, até que agora em Julho, lendo uma matéria num site que acompanho, me bati de novo com as ditas cujas. Só tive um pensamento: “E por que não?”

De lá pra cá, li trocentos artigos, fórums, emails, leilões no ebay, e até um livro dedicado ao assunto, pra entender melhor essas coisas. Não é só a maravilha que parece no começo, mas é bastante do que promete. Tem complicações diversas, mas nada que não possa ser incorporado ao método de trabalho. Procurei usuários anamórficos no Brasil, lentes para venda, troca, teste, enfim, e não achei nada nem ninguém até o momento – só um bocado de gente interessada. Posso estar enganado, mas acho que minha coleção de 5 anamórficas é a maior do país! Por favor, alguém me prove errado nesse ponto, apareça! Tô à procura de alguém pra trocar idéias!

Vocês devem ter reparado o número no título do post, o que indica a minha vontade de fazer uma série deles. A idéia não é ser chato sobre o assunto, porque tive trilhões de dúvidas ao longo do processo, e muitas das respostas eu não encontrei em lugar algum, e só consegui entender mesmo quando tava com a lente na mão, olhando na câmera. Meu objetivo com a série é explicar tudo – ou quase tudo – que puder, sobre essas lentes exóticas e raras, e quem sabe, achar alguns projetos para colocá-las em prática.

Sério, Cinemascope decente numa 5D, quando?