Day-to-Day

[Estética I] O Homem com a Câmera.

December 2, 2011

Agora o trabalho de Estética e Teoria do Audiovisual I, feito em conjunto com a May e a Lud. O tema era “O Homem com a Câmera”, de Dziga Vertov. Para a época, ele era muito revolucionário!

Dziga Vertov, nascido Denis Abramovic Kaufman (2 de janeiro de 1896 – 12 de fevereiro de 1954) é um diretor russo que criou a teoria do Cine-Olho, o cinema-verdade, que serviria como ponto de partida e inspiração para os documentários a serem produzidos nas décadas seguintes.

Aderiu ao movimento construtivista russo, que pregava negação à “arte pura” – a arte dissociada do mundo cotidiano. Segundo esse movimento, a arte deveria servir de ferramenta para ajudar a alcançar objetivos sociais e na construção de um mundo socialista.

Vertov, ao contrário de Sergei Eisenstein, não acredita que a ficção seja a melhor maneira de expor essas ideias. Para ele, a ficção seria algo característico principalmente do cinema americano e, por isso, seria incoerente que um estado socialista produzisse o mesmo tipo de arte que o país onde o capitalismo tem sua maior representação.

Além do repúdio à ficção, o diretor russo defendia uma estética também diferente ao que era comum no mercado mainstream. Isso tudo levou Vertov a escrever, em 1922, o Conselho dos Três, com sua mulher e com seu irmão, no qual eles se denominam kinoks (uma junção das palavras russas kino e oks, que significam, respectivamente, cine e olho).

Abaixo, temos um trecho do texto “Variação do Manifesto”, publicado por Vertov em 1919, antes da criação do Conselho dos Três, mas já em nome dos diretores documentaristas que se denominavam kinoks. A partir da leitura do mesmo, fica clara a opinião dos mesmos em relação ao cinema ficcional de mercado na época.

“NÓS nos denominamos KINOKS para nos diferenciar dos “cineastas”, esse bando de ambulantes andrajosos que impingem com vantagem as suas velharias.

Não há, a nosso ver, nenhuma relação entre a hipocrisia e a conscupisciência dos mercadores e o verdadeiro “kinokismo”. (…)

NÓS declaramos que os velhos filmes romanceados e teatrais têm lepra.”

Em 1922, após formar o Conselho, Vertov publica um manifesto intitulado Resolução do Conselho dos Três, em que reafirma sua posição em relação ao cinema do Ocidente, sua defesa ao documentário e discorre sobre as características do cine-olho. Nesse texto, ele defende “a utilização da câmera como cine-olho, muito mais aperfeiçoada do que o olho humano, para explorar o caos dos fenômenos visuais que preenchem o espaço.” Ele justifica essa afirmação dizendo que a câmera dirige o olho do espectador. Nesse sentido, a câmera por si só é um instrumento de montagem, pois “recorta o olhar”: “O cine-olho é a montagem do ‘Eu vejo’!”.

Vertov, assim como Eisenstein e dentro da linha do cinema construtivista russo, acredita que a montagem é o elemento chave do cinema. Ele defende uma montagem pela qual se constroem novos sentidos, pela qual se descobrem novos meios de se introduzir motivos políticos, econômicos ou outros. Segundo ele, é “o kinok-montador que organiza os minutos da estrutura da vida, vista pela primeira vez desse modo”. Em outras palavras, o filme se faz na montagem, e esta deve fugir dos padrões vigentes.

É dentro dessa corrente que, em 1929, Vertov lança o célebre O Homem com a Câmera, no qual filma o cotidiano de cidades russas, especialmente Moscou, dentro de uma narrativa complexa e com uma montagem poética, de sentido e pensamento.

Em O Homem com a Câmera, a artificialidade acompanhada não é, de modo algum, acidental. Trata-se de uma proposta inovadora, liderada pelo cineasta Dziga Vertov, quem na obra, tentou suprimir a ilusão em favor do mais altíssimo estado de consciência. No contexto, a Fotografia e o Cinema eram novas formas de arte e grande parte dos espectadores acreditava que tudo que lhes era mostrado era a realidade inalterada.  Expondo o trabalho do cinegrafista – ao mostrá-lo andando pela cidade, procurando e capturando planos; e expondo o trabalho do editor – através da montagem alegórica e rítmica, Vertov procurou revelar a estrutura de um filme e como ele é feito. Assim, o filme pôde ser lido com artificialidade, despertando a necessidade de o cinema ser visto com olhos críticos e educados.

Desde a seqüência inicial, o cinegrafista é visto como corajoso e ousado. Ele é visto subindo em pontes altíssimas, próximo a linhas de trem, escalando morros e visitando minas subterrâneas. Ele faz qualquer coisa para captar o melhor plano. As cenas que acompanham o cinegrafista são intercaladas pelas cenas de uma moça burguesa acordando tarde. O contraste entre o homem ativo e ocupado e a moça que acorda próximo ao meio dia, categoriza o cinegrafista como membro do proletariado.

O filme nos apresenta também o objeto-película. Vêem-se frames congelados – fotografias – e imagens do editor analisando o conteúdo do negativo. Todo o filme é um esforço conjunto entre diretor, cinegrafista e editor. Em O Homem com a Câmera, sucessivas imagens que delatam o modo de produção e confecção do filme, não deixam o espectador esquecer que a obra é realizada através do trabalho em equipe; e que desse ponto de vista, dado o caráter político do manifesto de Vertov: um filme é constituído como um objeto – ele é montado peça por peça como uma mercadoria que se desloca através dos intervalos de produção.

No entanto, não podemos deixar de mencionar que a obra de Vertov trata de outro assunto não menos importante: os filmes. Portanto, é um filme sobre filmes. Foi desejo de Vertov realizar um filme universal, o qual se sustentasse exclusivamente na linguagem cinematográfica e que, conseguisse transmitir sua mensagem. Como mesmo diz os cartazes do filme: “Trata-se de um trabalho experimental que visa a criação de uma linguagem verdadeiramente internacional e absoluta do cinema, com base na sua total separação da linguagem do teatro e da literatura.”

Linguagem fílmica, nesse caso, significa a ausência de cartazes explicativos ou convenções teatrais para retransmitir a mensagem. Em vez disso, os planos foram organizados no estilo de montagem conveniente ao tema: a vida cotidiana dos cidadãos soviéticos e o papel do cinegrafista nesse contexto.

Em termos de estética, Vertov considerava que “montar significa organizar os pedaços filmados (as imagens) num filme, ‘escrever’ o filme por meio das imagens filmadas, e não, escolher pedaços de filme para fazer ‘cenas’ (desvio teatral) ou pedaços filmados para construir legendas (desvio literário)”, e O Homem com a Câmera – juntamente com Décimo Primeiro Ano – são os exemplos mais claros de sua teoria do cine-olho e rádio-olho, por serem filmes do cinema sonoro e não encenados.

O longa de Vertov apresenta a vida urbana em Odessa e outras cidades soviéticas. Do amanhecer ao cair do Sol, os cidadãos soviéticos são mostrados trabalhando duro e aproveitando a vida, interagindo com o maquinário dos tempos modernos. Pode-se dizer que o filme tem como “personagens” o cameraman, o editor, e a União Soviética que é descoberta e apresentada ao longo da obra.

O Homem com a Câmera é famoso pelo grande número de técnicas cinematográficas levadas a cabo por Vertov ao longo do filme (muitas delas criadas por ele). São duplas exposições, trechos acelerados ou em câmera lenta, quadros congelados, trucagens, telas divididas, horizontes tortos, closes extremos, travellings, imagens passadas de trás para frente e até animações em stop motion. Neste caso em particular, devido ao uso das duplas exposições e câmeras que aparentam ser câmeras ocultas, a montagem do filme segue um estilo mais surreal do que o da montagem linear dos tão odiados americanos.

Com seu estilo de vanguarda, Vertov passa a idéia e enfatiza que um filme pode ir a qualquer lugar, por exemplo, o filme tem planos, feitos através de superposição de imagens, de um cameraman em cima de uma outra câmera, gigantesca, ou de um cameraman dentro de um copo de cerveja, além de planos de uma mulher acordando e se vestindo, ou uma outra dando luz a um bebê, e o bebê sendo levado para um banho.

Durante a montagem, Svilova – esposa de Vertov – tinha como missão entrar naquela imensa quantidade de material desconexo filmado por seu marido, e a partir dele, criar um sentido narrativo a partir da aleatoriedade. A montagem é a característica mais forte do cine-olho.

Vertov acreditava que um filme era capaz de mostrar o que ele chamava de “kinopravda” (filme-verdade). Ele diz: “Um noticiário é organizado a partir de pedaços da vida em torno de um tema, e não o inverso. Isso significa que o kinopravda não ordena a vida de acordo com o roteiro do diretor, mas observa e registra a vida como ela é, e somente tira conclusões a partir dessas observações.”

Embora sua declaração seja essa, Vertov não chama sua obra de “verdade”, mas sim de “filme-verdade”, admitindo as possibilidades de criação e manipulação mesmo no cinema documental.  Em última instância, O Homem com a Câmera é um filme que defende a arte de filmar através da mistura de imagens; tanto do processo quanto do produto final: um dia na vida de uma cidade soviética.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

VERTOV, Dziga. “Nascimento do Cine-Olho” (1924) in A Experiência do Cinema, organizado por Ismail Xavier. Rio de Janeiro: Edições Graal: Embrafilmes, 1983

VERTOV, Dziga. “Resolução do Conselho dos Três” (1923) in A Experiência do Cinema, organizado por Ismail Xavier. Rio de Janeiro: Edições Graal: Embrafilmes, 1983

NOWELL-SMITH, Geoffrey. The Oxford History Of World Cinema. New York: Oxford University Press, 1996

VERTOV, Dziga. “NÓS – Variação do Manifesto” (1922) in A Experiência do Cinema, organizado por Ismail Xavier. Rio de Janeiro: Edições Graal: Embrafilmes, 1983

VERTOV, Dziga. “Extrato do ABC dos kinoks” in A Experiência do Cinema, organizado por Ismail Xavier. Rio de Janeiro: Edições Graal: Embrafilmes, 1983

MICHELSON, Annette. O Homem Da Câmera: de Mágico a Epistemológico (trad. Vinícius Dantas). Cine-Olho n.8-9, Out-Nov-Dez, 1989