Day-to-Day Specials

Mãe e Só.

November 30, 2012

Uma coisa muito curiosa que sempre foi clara na nossa casa é: eu sou muito mais ligado à minha mãe, e Lila a meu pai. Sempre tive essa sensação, e muitos e muitos anos confirmam. Todos os quatro se relacionam muito bem, mas existe essa ligação mais forte. Nunca escrevi sobre minha mãe. Nunca me veio o que dizer. Esse ano, entre todas as outras coisas, trouxe a gente mais próximo, em pensamento, apesar de distante, na geografia. São textos que a gente troca revisão por email, um do outro, telefonemas, e – vocês não imaginam o quanto – acertos financeiros, dívidas e balanços, apostas e metas.

Aí, agora, acordei no meio da madrugada e me veio o texto. Me senti na obrigação de levantar e escrever, antes que ele fosse embora. Me acompanhem enquanto é tempo.

Já tinha comentado com algumas pessoas, inclusive com minha mãe mesmo, que tenho um preconceito sem explicação em relação a muita coisa que ela me indica, ou diz que tenho que ouvir ou ler. Acho que apesar de tanto em comum, nossos gostos para arte são bem diferentes. Se ela me diz pra ver um filme, eu até providencio uma cópia, mas fico enrolando meses, e muitas vezes não assisto.

Uma das tradições de casa sempre foi “passear de carro ouvindo música e conversando/resolvendo coisas do dia a dia”, como ir ao mercado. Desde pequeno. Foi de minha mãe que peguei meu gosto por dirigir sem obrigação de chegar logo, de aproveitar o caminho, perceber que ele é mais importante e duradouro que o destino. Agora a história pode ficar um pouco confusa, mas espero que faça sentido. Minha mãe sempre escolhia as músicas que a gente ouve no carro. E minha mãe é Brasil até o fundo. Só fui ouvir e conhecer, descobrir e gostar de pop internacional em meados de 2005, aos 15 anos. Até então, não conhecia nada ou quase nada de fora. A trilha sempre fui Gonzagão, Amelinha, Caetano, Gil, Geraldo Azevedo, Elba Ramalho, Zeca Baleiro e por aí vai. Um disco, porém, sempre esteve presente ao longo dos anos, e era um disco de Maria Bethânia que eu sempre achei muito chato. Ouvia, claro, minha mãe adorava, mas sempre que podia, evitava. Só concordava com a cabeça e ia adiante (não queiram me matar ainda, sigam a leitura!).

Sempre achei Bethânia meio chata. Uma música muito parada, blasé, essa coisa de poesia, enfim, ouvia, mas não era dos favoritos (calma, ela volta mais adiante).

Entre as indicações de minha mãe nesse ano, teve Moonrise Kingdom. Eu tava num ponto de ônibus, indo buscar um pagamento, – era meio de Setembro – e a descrição do filme foi mais ou menos “é lindo, a história de um menino que some num acampamento de escoteiros, às vesperas de uma tempestade, e todo mundo fica à procura dele. Mas é muito lindo!”. Ok, baseado nessa descrição, baixei o filme, mas fiquei enrolando pra assistir. Esperava algo parado. Chato, que me dissesse muito pouco ou quase nada.

No ócio do feriado, entre uma diária e outra do Asfalto, tava sozinho em casa e com muita preguiça de ver um filme repetido, pensei: “tenho que dormir de dia mesmo, pra noturna, vamos colocar esse filme”. E foi aí que eu não dormi mesmo. Na verdade, mal conseguia piscar. O filme ia caminhando pro fim e lá estava eu, sozinho em casa, chorando pra me acabar no sofá, e sem saber por quê. Até hoje não sei exatamente o que me pegou, mas algo fez muito sentido. Dessa vez, o chato tinha sido eu.

Nesse semestre, uma música tem estado estranhamente presente. É O Trenzinho do Caipira, de Villa Lobos. Me encontrei com ela num job, pra um mega congresso de Psicologia. Para quem não sabe, minha mãe é psicóloga. “Aaaah! agora tudo faz sentido, Tito!” – faz mais. Calma. Nesse job, era uma versão instrumental. A segunda vez que me encontrei com essa música foi no disco Música dos Dois, que May apresentou pra gente enquanto estávamos em Salvador, onde há uma citação também instrumental à música de Villa Lobos. Nesse disco tem uma música, que é essa que intitula o post, e que quase me fez escrever esse post, mas não era a hora, pelo visto. A terceira vez que o trenzinho me acertou foi ontem, quando fui, novamente com a May, numa apresentação de Mario Adnet, no Ibirapuera, sobre Villa Lobos, revisitado. Orquestra e tudo, uma coisa maravilhosa. E aí veio a música, interpretada por Edu Lobo. Ficou bonita, mas me lembrou da outra versão cantada que eu conhecia.

Voltei pra casa insistindo pra May que eu conhecia uma versão ainda mais maravilhosa que aquela que ouvimos, e interpretada por uma mulher. Chegamos em casa e finalmente lembrei que era uma versão de Bethânia. Coloquei pra carregar no youtube, mas a internet não quis colaborar. Fiquei puto e resolvi apelar pro iTunes. Não deu certo, porque só vendia o disco completo. Adivinha que disco? Exatamente, aquele que eu falei lá atrás. Botei pra baixar, e enquanto isso, ia ouvindo prévias das outras músicas.

Meu único pensamento era: “por que diabos eu não gostava disso?”. Ouvimos o Trenzinho do Caipira, que de fato, é uma coisa de outro mundo na voz dessa mulher. Ouvimos também outras do disco e hoje ele não saiu da cabeça. E de novo, lá estava eu, chorando por motivo desconhecido, que não era tristeza – muito mais provavelmente beleza. E depois de mais de dez anos ouvindo esse cd, ao longo da vida, só agora ele fez sentido.


Mãe e Pai

Lá vai o trem com o menino
Lá vai a vida a rodar
Lá vai ciranda e destino
Cidade e noite a girar
Lá vai o trem sem destino
Pro dia novo encontrar

E lá sigo eu, no trem, que em seu caminho, nos aproxima e afasta sem que muito percebamos. Acho que nunca tive consciência disso, mas aposto que minha mãe sempre soube.

Depois escrevo um post mais clássico, explicando quem é essa figura dos cabelos brancos e um pouco da suas histórias. Esse se encerra por aqui, e é mais uma carta particular, só que pública. Agora, se vocês me permitem, vou voltar a dormir, porque daqui a pouco tem trabalho para apresentar.

  • fatima November 30, 2012 at 8:27 am

    puta que te pariu!!! (por enquanto é tudo o que posso dizer, depois de chorar…)

  • fatima November 30, 2012 at 8:38 am

    Ainda bem que você discorda!!!!! Aqui, um texto antigo, de nossas histórias nas andanças dentro do carro.

    Estou me acostumando a ser olhada como ‘senhora’ – não importa se por dentro esteja me sentindo criança, jovem ou quase múmia. Na idade em que estou, a gente já deve ter aprendido que nem sempre os olhares sobre uma mesma coisa vêm a mesma coisa. Para exemplificar, vou fazer uma confissão, não sou muito ligada numa aparência ‘tradicional’ e gosto dos meus cabelos sem muito pentear. Como eles são cacheados, pentear é desfazer os cachos. Detalhe, quanto mais assanhados os cabelos tanto mais me sinto bonita e sexy – uma mulher ‘assanhada’! Bizarrices de Fátima… Pois, outro dia fui buscar meu filho no inglês e estava eu do jeito que me gosto. Como mulher não resiste a consultar uma opinião que lhe confirme as impressões sobre a própria aparência, virei pra Tito e perguntei, que tal meu cabelo? Ele, que puxou ao pai na extrema sinceridade, disse: mãe, seu cabelo tá parecendo o de Sylvester Stalone nas últimas cenas do Rambo, depois que ele já atravessou rios, florestas, montanhas, pântanos e zonas minadas! O impacto foi tal que só consegui dizer um: ôôô meu filho!. Claro que comecei a me olhar no espelho retrovisor já contaminada com o que tinha ouvido. Depois de umas quatro olhadelas, o ‘assanhado’ que era só um detalhe pra valorizar os cachos virou o protagonista da cena e, meio contrariada, pensei em voz alta: é… é… o cabelo está um pouco assanhado demais… Estava eu crente que o poço de sinceridade ao meu lado estava distraído e nem tinha me escutado. Engano e ilusão. Mal fechei a boca, depois da minha ‘rendição’ e ele, também como quem está pensando em voz alta, me saiu com esta pérola: a verdade demora um tempinho pra fazer efeito…Caímos os dois na gargalhada.

  • Fiuza November 30, 2012 at 8:45 am

    Dá-lhe Tia Fátima! =D

  • May November 30, 2012 at 11:21 am

    vai se foder, tito. :’)

    fafá, te amo.

  • Flavia December 11, 2012 at 2:33 pm

    Que lindo, Tito!!! Homenagem mais que merecida!!!
    Forte abraço, Flávia (Subversiva)

  • Caio January 9, 2013 at 11:41 am

    Encantador! ( Anos que não usava essa palavra).