Day-to-Day

Nosferatu e o Expressionismo

June 20, 2010

A partir de O Gabinete do Dr. Caligari e Nosferatu – Uma Sinfonia de Horrores, uma nova forma de cinema surge, com temas sombrios de suspense policial, loucura, horror, traição e mistério em um ambiente urbano. Personagens bizarros e assustadores, uma distorção da imagem devido a uma excessiva dramaticidade tanto na atuação quanto na maquiagem e cenografia fantástica, de recriação do imaginário humano completam uma caracterização geral do estilo cinematográfico alemão do início da década de 1920.

O expressionismo, o cinema plástico por excelência, o dos pintores e dos gravadores, da tela escurecida, o do excesso em tudo (‘os sorrisos maiores que as bocas’). (…) O ‘expressionismo alemão’ seria o lugar privilegiado de um encontro perfeito, e quase de uma fusão entre a pintura -em sei estado mais pictórico – e o cinema” (Jacques Aumont). A partir dessa fusão de cinema e pintura, podemos destacar que um dos elementos da estética expressionista de maior influência em Nosferatu, de Friedrich W. Murnau é a fotografia de grande contraste entre claro e escuro, conceito muito marcado pelo Gabinete do Doutor Caligari. O jogo de luzes, luz e sombra, se apresenta até mesmo na trama, onde o vampiro, Nosferatu, um elemento que vive nas trevas, foge da luz do dia pois esta representa sua morte, fato que se realiza ao final da obra.

“(…) Foi sua natureza expressionista que impeliu muitos diretores de fotografia alemães a criar em sombras tão exuberantes quanto a erva daninha e associar fantasmas etéreos a arabescos ou rostos estranhamente iluminados.

Esses esforços destinavam-se a cobrir todo o cenário com uma iluminação sobrenatural, marcando-o como cenário da alma. ‘A luz deu alma aos filmes expressionistas'” (KRACAUER, RJ, p. 92)

Esse efeito de contraste claro-escuro à lá Reinhardt é particularmente notável na sequência final, onde acompanhamos todos os movimentos de Nosferatu unicamente a partir de sua sombra em paredes e outros anteparos claros (como a roupa da garota), sem vê-lo de fato enquanto ele se dirige ao quarto de Ellen. Partindo então para o aspecto da interpretação e movimentação dos atores, “É o cenário que determina a estilização da interpretação dos atores. (…) Com a redução dos gestos, conseguem movimentos quase lineares, que – (…) – permanecem bruscos como os ângulos quebrados do cenário” (Lotte H. Eisner).

“O ator se cinde, assim, em construtor que concebe e dá ordens, em função de um projeto a ser realizado, e em corpo que realiza as instruções. A biomecânica é o método que permite essa disciplina corporal que visa a expressão direta das emoções, em oposição às mímicas representativo-psicológicas do teatro burguês” (ALBERA, SP, p. 238)

Grande parte dos personagens tem uma movimentação e atuação naturalista, mas todos aqueles que são infectados pela peste passam a se comportar de forma diferente, como descrita por Eisner, movendo-se bruscamente e de forma geométrica, contorcida, característica marcante do estilo de interpretação expressionista, buscando aquilo que é oposto ao natural, oposto ao já definido pela cartilha do cinema griffithiano. “O expressionismo (…) se apresenta como uma série de recusas” (Jacques Aumont),  “O que importa é criar a inquietação e o terror” (Lotte H. Eisner), e nesse intuito, a combinação dos movimentos bizarros e o  jogo de luzes e sombras funciona maravilhosamente bem.

Cronologicamente, ao longo do filme, podemos facilmente notar uma transição do clássico, naturalista, para uma abordagem expressionista com o passar dos atos. “Os cenários significavam uma perfeita transformação de objetos materiais em ornamentos emocionais” (Siegfried Kracauer), e isso é uma característica perceptível, pois os mesmos vão se modificando através da iluminação, vemos o quanto a cidade é tortuosa, confusa, e as casas são opressoras, quadradas, grandes e escuras por dentro. Da mesma forma, muda a interação dos personagens com os cenários, as maquiagens vão ganhando cada vez mais peso e, conforme mais pessoas são transformadas, temos mais personagens se movendo angulosamente, anti-naturalmente.

Como exemplo dessa mudança, podemos comparar a sequência inicial, onde vemos o cotidiano de um casal, nada muito diferente de Griffith e o melodrama, até no encaixe entre os planos. O primeiro elemento que indica o expressionismo no filme é o velho com cabelos desgrenhados que lê uma carta de seu mestre, Nosferatu. As cenas todas continuam bastante apegadas ao naturalismo nesse começo da história.

Já quase na sequência final, quando Nosferatu sai de sua mansão e vai em busca da jovem Ellen, temos muito contraste entre claro e escuro, pois a figura do vampiro só é indicada por sua sombra, as atuações de ambos são mecânicas, a garota mal muda a expressão em seu rosto, e seus movimentos são exagerados e retos, bastante perceptíveis a partir do momento que Nosferatu entra no quarto. Quando ela cai na cama, novamente, a sombra negra da mão do vampiro percorre a camisola branca de Ellen, esmagando seu coração.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

KRACAUER, Siegfried. De Caligari a Hitler – Uma História Psicológica do Cinema Alemão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1988

EISNER, Lotte H. A Tela Demoníaca. São Paulo: Paz e Terra, 2002.

AUMONT, Jacques. O Olho Interminável. São Paulo: Cosac & Naify, 2004.

ALBERA, François. Eisenstein e o Construtivismo Russo. São Paulo: Cosac & Naify, 2002

EISENSTEIN, Sergei. A Forma do Filme. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1990.

XAVIER, Ismail. A Experiência do Cinema. São Paulo: Graal, 2008.