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Pós Set.

August 29, 2010

Esse é mais um daqueles posts que tava querendo escrever faz tempo. Tive que esperar um set acabar, observando as coisas certas, pra poder ter iluminação suficiente pra transformar a experiência em palavras.

Participar de um set é como fazer uma longa viagem, daquelas de aventura, com os amigos, sem o conforto de hotéis, e com milhares de trilhas, ruas e caminhos a percorrer todos os dias. Muitos lugares a se ver. Viagem daquelas que, no fim do dia, tá todo mundo acabado. Que quando você encosta na cama, não dá nem tempo de dizer “boa noite” antes de apagar. Ah, e o tempo todo você sabe que no dia seguinte tem mais coisas a ver e estradas a percorrer, com mochilas pesadas nas costas.

Como numa viagem, você quer registrar tudo que acontece, o tempo todo. São milhares de fotos, vídeos e até registros de som!

O portal secreto e sombrio do Prazer Extremo.

Quanto ao destino da viagem, você pode esquecer do mundo real. A jornada é para dentro da cabeça de alguém. Ou, melhor dizendo, “alguéns”. É como passear nas memórias e idéias de alguém. Uma série de pensamentos desconexos, fora de ordem e aparentemente sem lógica, mas com um estilo mais ou menos parecido. Pensamentos que, quando você consegue colocar em ordem, se apresentam como um sonho, sonhado em conjunto pelos diretores, roteiristas, fotógrafos, atores, som, arte…

A película telecinada do Raposa.

Cada cena é um ponto turístico. Um lugar que você têm consciência que não vai voltar mais, e tenta ao máximo registrar todos os detalhes. As expressões dos atores, todos os raios de luz que entram pela cortina, o ruído seco dos passos no carpete, a textura das paredes, cada anotação malfeita na lousa encostada ao canto.

Cada diária é o mesmo que uma cidade, numa viagem mais extensa, com seus diversos pontos turísticos, distantes entre si, que exigem preparação e timing. Pegar os ônibus certos e virar nas esquinas determinadas. Montar a luz no tempo, colocar lapelas nos atores e encontrar a posição do boom. Conseguir fazer um acordo entre foto e arte, pras duas equipes ficarem felizes com o desdobramento da cena. Passar o texto com os atores. Fechar o quadro é o momento que precede descer do ônibus, ou sair do metrô, e chegar onde você quer. O mundo maravilhoso está à beira de acontecer.

Equipe fazendo figuração no Arco Íris.

No último dia, a vontade de voltar pra casa é tão grande que, quando acaba de rodar o último plano, todos aplaudem e comemoram. Desmontar tudo é um pouco mais doloroso, como fazer as malas. A volta de carona/ônibus pra casa faz com que seu corpo inteiro processe a sobrecarga à qual você o submeteu nos últimos dias.

Preparando o Encontro de Solteiros do Comando.

Todos os músculos reclamam, os olhos pedem para fechar e a cabeça pende para o lado a cada balanço do transporte. Você vai lembrando de tudo que aconteceu. Detalhes engraçados, coisas que deram muito certo, coisas que deram muito errado, momentos tensos, o gosto do sanduíche do primeiro café da manhã, a primeira impressão que o cenário deixou em você… Tudo isso vai sendo lentamente processado até chegar em casa.

A casa-mais-real-que-a-minha do Pedro e a Cigana.

A chave gira na maçaneta, você se arrasta até o banheiro, toma um banho daqueles de lavar a alma (o que, nesse caso, nem é lá grande coisa, devido à exaustão), caminha até a cama e se joga. Aí você morre até a manhã seguinte.

Depois de acordar, é exatamente igual a uma viagem. Você percebe que tá em casa, e que não tem obrigação nenhuma de acordar cedo pra passear pelas idéias de alguém (ou percorrer pontos turísticos). Todas as lembranças são cristalinas, mas não passam de lembranças. O set já foi todo desmontado, inclusive as paredes do lugar que você quase chamava de “segunda casa” a essa altura já foram despregadas do chão e estão a caminho de algum quarto empoeirado ou (numa perspectiva melhor) outro set.

Eu poderia ser o personagem do Zero.

É repetitivo, estressante, desgastante e cansativo ao extremo, mas absurdamente prazeroso. E quando acaba, dá aquela sensação suprema de missão cumprida.

Esse foi meu depoimento de “dependente químico de sets”. É “só” por causa dessas coisas todas que eu abro mão de qualquer programa pra participar de filmagens.

  • Tito Ferradans August 29, 2010 at 10:55 pm

    A segunda e terceira imagens do post só existem graças ao Ricardo M. Créditos para ele!

    Acho que esse é o primeiro post (desses filosóficos) que saiu do jeitinho que eu queria. Agora, vou morrer, porque, escrevendo no blog, tô indo contra a regra de pós-sets.

  • Murilo Alvesso August 30, 2010 at 1:05 am

    e o Tito quase me fez chorar.

  • fatima August 30, 2010 at 6:17 am

    Mii-nii-no! “A poesia é a explicação ambulante para tudo que pulsa e arde” (Elisa Lucinda). Esse texto é pura poesia… Poeta é aquele que vê com/através dos olhos da poesia e compartilha esse olhar. Você é poeta, Tito Ferradans. Grata, grata, grata por esse post/poema que já pôs mais vida no meu dia.

  • Fabio August 30, 2010 at 7:51 pm

    Quandi leio esses posts do Tito quase quero filmar de novo o mais rápido possível, comofas? Tito não é só cinéfilo, é “setófilo” também, competência à toda prova!

  • May August 30, 2010 at 8:25 pm

    Realmente, esse texto tá emocionante. :)

  • Mari C. August 30, 2010 at 8:58 pm

    Que graça, Tito! Adorei seu texto, mesmo. Estou com o Mulu, quase me fez chorar. XD Traduziu muito bem em palavras, é exatamente isso. E viva a magia dos sets!

  • Tito Ferradans August 30, 2010 at 10:15 pm

    Oh, que felicidade esse monte de comentários emocionados! Obrigado pessoal, esse blog se sente bem menos abandonado!

    Pelo visto, somos todos amantes de sets, não?
    Fábio, convenhamos, não vai faltar oportunidade para filmarmos!
    Mulu e Mari, quase consegui lágrimas! Da próxima vez, me esforço mais, hahahahaha.

    Mãe e May, os comentários de vocês não contam! HAHAHAA! Brincadeirinha. Obrigado, vou tentar manter o alto nível das coisinhas, pra melhorar os dias de vocês.

  • Ferradans. · [CINE] Zero. September 1, 2010 at 1:38 pm

    […] incompreensível, algo bem útil ao conceito da pesquisa do rapaz. É como eu disse no post sobre Pós Set: eu podia ser o personagem do Zero. Não como ator, mas como conceito – e todos os móveis do […]