Day-to-Day

Um Conto de Marinheiros.

November 12, 2015

No que parecia o começo do tempo de todos os tempos, dois barquinhos se conhecem na saída do cais. O dia é bonito, ensolarado, o mar é azul e sereno. Nossos dois barquinhos se preparam para suas jornadas, cada um com a tripulação ansiosa para desbravar correntes desconhecidas e passar por aventuras que seriam contadas e lembradas até o fim dos tempos.

Alguns meses depois da partida, o mar parecia mostrar um apreço especial por aquela dupla, os dois continuavam seguindo pelo mesmo caminho. Não como se um estivesse seguindo o outro, mas sim lado a lado, impulsionados pelas mesmas lufadas de vento. Os capitães começam a achar isso uma estranha coincidência e, numa manhã quieta, um dos barcos escuta uma cantoria vinda de não muito longe. Ao sair para o convés, vêem uma grande comemoração acontecendo na embarcação vizinha e são logo convidados a bordo. A essa altura do campeonato já sabem que não são piratas, e que estão à procura do mesmo tesouro, um tesouro que não tem exatamente forma física ou lugar, é como um sonho distante rumo ao qual ambos navegam.

Desafios surgem, monstros e tempestades, mapas são perdidos e novos são traçados, cada barco sustenta suas baixas e cura seus feridos. Léguas e léguas são percorridos e a tripulação percebe que, se lutam juntos, os problemas são divididos ao invés de duplicados. As recompensas, por sua vez, não são afetadas. Começa um longo processo de trocas. A princípio algumas cordas são jogadas de um barco para o outro por onde a tripulação pode passar, se arriscando sobre o mar que encara, veloz, lá de baixo.

Os capitães lideram seus marujos em muitas aventuras, acumulando experiência e riquezas, acumulando histórias tão inacreditáveis que até pescadores desconfiam. As cordas balançantes evoluem para nós mais firmes, pranchas e redes. Eles não querem arriscar perder ninguém no espaço entre si. Unidos tão fortemente, os dois barcos agora são uma fortaleza que percorre os mares por belos poentes e céus azuis. De quando em quando retornam ao porto, para encontrar amigos e familiares que acabaram ficando para trás na jornada.

Certa manhã, mais que inesperadamente, um brilho no horizonte chama a atenção de nossos intrépidos capitães e não é o Sol. Se as lendas forem verdadeiras, é o tesouro pelo qual eles tanto procuraram. Avaliando seus suprimentos e estado de espírito da tripulação, decidem que a chance de recompensa é maior que o risco. É uma jornada como nenhuma outra que eles fizeram até então. Serão meses, talvez anos, até que retornem ao porto, sonhando e construir sua própria vila à beira mar, em outra costa, em outro continente.

Nos preparativos, concluem que é possível que um deles vá na frente, mandando notícias e prevendo o que eles podem enfrentar. O que eles não contavam é que a jornada era árdua e apelava para aquilo que ele tinha de mais frágil, ao mesmo tempo que o mar era calmo e o Sol brilhava. O desafio não estava do lado de fora, mas sim por dentro. Nesses poucos meses que passaram sem pontes e cordas, algo começou a mudar. Era um risco daqueles tão fininhos que você nem leva em consideração, chama de poeira, esquece que existe. Mas a maré não esquece e continua a bater, incessante, dia após dia, até que o risco não é mais risco e sim uma falha, que cresce cada vez mais rápido.

A construção da vila é tão intensa e corrida que falta tempo e atenção para cuidar do problema. Vai passar, é fase. Mas não é, e não diminui nunca, só aumenta, até que você se dá conta que aquele furinho tá jogando cada vez mais água sob o convés, e que as pontes não cobrem mais a distância entre as duas embarcações porque cada uma delas acabou seguindo seu próprio caminho em meio a tantos caminhos agora possíveis. A distância é tanta que os problemas não são mais divididos, e sim combinados. A sensação é que um aumenta os problemas do outro, por mais que eles tentem combatê-los juntos. Não é intencional, claro, eles são mais espertos que isso, mas ambos os barcos estão naufragando e a melhor solução agora é que se separem, para que um não arraste o outro para o fundo.

Enquanto isso a tripulação tem espaço pra lutar contra seus próprios buracos e construir um outro barco, menor, sim, mais frágil, sim, mas novo e capaz de navegar por conta própria. Aqueles grandes navios estão fadados a afundar e não dá pra trazer a bordo todas as riquezas lá acumuladas. Algumas preciosidades vão afundar, mas não deixarão de existir, e sempre estarão lá naquele mesmo ponto do oceano, reluzindo e cintilando sob o véu azul das águas para quando chegar o tempo de ir buscá-las ou visitá-las.

I see an end to where I don’t love you like I can
Cause I’ve forgotten how it feels
To love someone or thing for real
Darling when you wake, remind me what we’ve done
That can’t be shared, or saved, or even sung