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July 2014

Day-to-Day

Para Minha Mãe e Suas Histórias.

July 20, 2014

“Mas você já escreveu um post pra sua mãe, Tito!”

Eu sei, mas o blog é meu, e eu faço o que eu quiser. Então lê aí.

Resolvi escrever esse texto porque acabei de ler um texto dela, falando de algo tão comum, e tão triste, de forma tão bonita, mas tão bonita, que to chorando há vários minutos. Nesse processo, muitas coisas me ocorreram, e senti que era importante pra ela saber tudo isso, e colocando aqui, conto com a ajuda de vocês pra incentivá-la também.

Minha mãe sempre foi uma contadora de histórias. De minhas memórias mais antigas, bem pequeno, tenho várias dela lendo histórias de livros pra Lila e pra mim. Contando histórias de cabeça quando a gente viajava, inventando jogos com histórias, inventando histórias, fazendo companhia nas situações mais bizarras (lembro de estar sentado no banheiro, passando mal e vomitando pra cacete, e desesperado com isso, enquanto minha mãe tava ali do lado, pra ajudar no que fosse possível, e contando histórias novas pra me acalmar e distrair – e isso não foi só uma vez. Foram algumas).

Depois de uns anos, juntou com amigas e formaram um grupo, de contação de histórias. Lembro muito disso também, de ver as apresentações mil vezes, ver os ensaios, ouvir minha mãe preparando as histórias enquanto a gente ia pra escola, pedir opinião em alguns pedaços, perguntar o que a gente tinha achado, o que a gente achava que o público tinha achado, o que podia melhorar, que histórias eram mais legais que outras, e por aí vai.

Vira e mexe, quando ela lia algo muito incrível, ou nossas discussões muito loucas chegavam num ponto aleatório, ela lembrava de algo de psicologia (sempre Jung), e pegava o livro, e lia um trecho, que a princípio parecia imcompreensível para mim – um menino entre 13 e 25 anos – mas que depois de mais alguns minutos começava a fazer sentido.

E minha mãe sempre gostava de escrever. No começo tinha um blog. Quarto com Baú, um design rosa, e alguns posts, cada vez mais espaçados. Acho que durou menos de um ano. Parou. Começava a escrever histórias, via coincidências na vida e na história, amarrava as duas coisas, lia pra gente, pedia opinião. Com minha mãe não tem texto “mais ou menos”. E nessa onda de escrever, gostava de alugar os ouvidos de quem estivesse em casa. Às vezes era meu pai, às vezes era Lila, às vezes era eu. De vez em quando, ninguém queria muito ouvir, e só falava que tava bom, ou ótimo, nunca muitas sugestões. Eu sempre considerava isso uma daquelas “obrigações de família”, tipo almoço de domingo, que tem que ter todo mundo em casa, ou “ir todo mundo junto para o aniversário de fulano, e ficar pelo menos X horas na festa”, mesmo sem ninguém conhecido por perto. Enfim, essas coisas que a gente faz porque não tem opção.

Aí o tempo foi passando e não sei quando o quadro mudou. O ponto é que agora eu já morava em São Paulo, e tava muito menos tempo perto de minha mãe pra ter ouvidos alugados. Mas mesmo assim, ela não desistiu. Alugava os olhos agora, mandava por email, e pedia opiniões. Eu nunca tinha muito o que falar, pra mim, se um texto cumpre o que ele promete no começo, a chance de eu achar bom é grande. Mas dona Fátima não é assim (e devo muito a ela por isso). A coisa era mais interessante quando eu não entendia absolutamente nada do que tava escrito. As idéias não encaixavam, ou eu não entendia o que ela queria dizer. Aí eu escrevia de volta, falando que não entendi, e chutava um monte de coisa, se tava interpretando pelo caminho certo. Falava o que tinha gostado, o que não tinha.

A coisa ficou louca mesmo acho que no último ano de faculdade, quando ela também já tava fazendo um curso de pós-graduação, e tendo que entregar trabalhinhos escritos. Nesse mesmo ano eu tava escrevendo minhas colunas pra OLD (essas Ultrapassagens que aparecem aqui de vez em quando). E assim como ela sempre me alugou pra revisar textos, sempre que pedi a opinião dela em qualquer coisa escrita, o resultado ficava anos luz à frente do que tinha sido o ponto de partida. O NOME Ultrapassagem foi resultado de uma discussão nossa por email!

Enfim, sempre que eu mandava uma versão de coluna pra ela, rolava um grande vai-e-volta com alterações de um lado e de outro, até chegarmos num resultado que os dois achassem que estava bom. E aqui estamos falando de revisões que duravam HORAS pelo skype, com muitos emails e google docs compartilhados. Quando eu escrevia uma coluna muito em cima da hora e não dava tempo de passar por revisão, tenho CERTEZA que minha mãe lia na revista, mas nunca comentou nada que poderia ser diferente em nenhuma delas. Nunca agradeci por isso. Sempre soube que elas poderiam ser melhores, assim como me sentia mal de ter escrito em cima da hora. E, óbvio, não ia ajudar em nada se ela virasse pra mim e falasse “poxa, meu filho, esse texto tá pobrinho hein?” ou “podia ser melhor!”.

Ah, importante mencionar, as colunas sempre tratavam de temas técnicos muito loucos de fotografia. Loucos mesmo. Ao ponto de serem coisas desconhecidas para muitos fotógrafos. Então porque diabos eu escolhi minha mãe pra me ajudar nesse processo? Motivo principal: porque se estivesse escrito de um jeito que ela conseguisse entender, qualquer pessoa conseguiria. Motivos secundários: porque minha mãe escreve muito bem, e do mesmo jeito que eu brinco e faço coisas que muita gente chama de arte com uma câmera e computadores, minha mãe faz isso com palavras.

Estando longe de casa, ler os textos de minha mãe era uma forma de me sentir mais perto dela, mais perto de casa (e ao mesmo tempo, aprender umas coisas psicológisticas e entrar em viagens muito loucas de lembranças reinterpretadas em forma de texto), então aquilo que antes era uma obrigação de família, virava um passatempo e daqueles mais interessantes, que você não faz de qualquer jeito, pra acabar logo, que nem palavras cruzadas. Era um daqueles jogos onde você quer achar todas as respostas e segredos. E aí, todos os anos de convivência me ensinaram uma coisa: minha mãe não tem apego pela FORMA que as coisas estão escritas. O importante é passar a mensagem, é ser entendido. O texto não é pra ela, é pro leitor. Então, sei que ela não vai ficar magoada se eu disser que não gostei de um texto, ou sugerir trocentas alterações, e até dar uma podada no estilo “Fátima” de escrever. Ela não simplesmente “escreve”, ela brinca com as palavras, vai colocando uma junto da outra, brinca com os significados, brinca com as grafias, com a ordem das letras, com o som, é uma coisa diferente, que nunca vi escrito em nenhum outro lugar. E é FODA.

Agora que todo mundo viajou (Lila tá em São Paulo, eu to em Vancouver, meu pai tá em Natal) e infelizmente os gatos não tem muita opinião sobre os textos. Na vontade de continuar tendo feedback e opiniões, e continuar escrevendo, ela criou um blog e tava escrevendo direto. Não sei se é porque a coisa tava meio em baixa, mas já tem duas semanas que ela não publica nada. Cada um dos posts lá é muito foda, e fala de temas assustadores como cabelos brancos, envelhecer, essas coisas que a gente é socialmente ensinado a temer. É como ver um pedacinho do mundo pelos olhos dela – e é um olhar tão mágico que dá vontade de ficar lendo mais e mais. Por isso, meu apelo: Mãe, não pare de escrever, não pare de contar histórias!

Muito do que vejo, leio, penso e interpreto, devo a você, que me ensinou que o óbvio e o normal devem ser evitados sempre que possível, mas não pra ser do contra, e sim porque existe um jeito mais bonito e humano de se fazer as coisas e ver a vida. Me ensinou também que o caminho mais simples pode ser o mais rápido, mas quase nunca rende boas histórias – e haja histórias contadas nesse blog porque, sempre que posso, evito o jeito comum de se fazer as coisas. E eu ainda lembro das histórias que você contava quando eu era pequeno, claro, e mais: aposto que quase todo mundo que já as ouviu ainda lembra.

Ah, vou ficar devendo pra vocês a história de quando a gente achou um passarinho machucado e levou prum centro do IBAMA, de madrugada. Quem sabe ela mesma não resolve contar essa história, do jeito dela, e eu conto depois como era minha perspectiva?

Day-to-Day

Histórias (in)comuns.

July 14, 2014

Ao longo do fim de semana testemunhei duas situações incríveis, uma delas me fez bater a cara na parede, com meu preconceito, e a outra é só uma curiosidade mesmo. Vou começar com a menos relevante.

Ontem, voltando pra casa depois do almoço, pingando de suor – suei mais ontem do que na escalada da montanha toda – passei por uma galera na rua que tava pegando água numa fonte, dessas de frente de prédio mesmo, e jogando no rosto, e nos amigos, pra se refrescar, tamanho o calor. E eram canadenses mesmo, não eram turistas, nem mendigos! Acho que eu nunca teria coragem de fazer isso em São Paulo. Primeiro, porque a água estaria podre, segundo porque na hora que eu encostasse na fonte, ia aparecer um guardinha ou segurança pra me enxotar, com certeza.

Agora, a segunda história, mais relevante. Sábado, tava voltando do Walmart, descendo do Seabus, abraçado com meu balde e lixo, e saí logo atrás de um grupo de três jovens (dois rapazes e uma moça), meio mal vestidos, meio com cara de mochileiros, e que riam de tudo, apontando pras pessoas ao redor. Logo pensei que estavam dando uma de malandros, tirando sarro da galera, e fechei a cara.

Como o barco tava lotado, o ritmo de caminhada era lento, e não tive opção senão continuar perto deles. A saída vai direto por um corredor. Nesse corredor, tem uma portinha que você pode passar pra pegar o caminho pra entrar no barco de novo, ou sair pelo lado oposto – vazio. Lá foram os três pela portinha, se achando os espertões, driblando a massa que seguia pelo corredor lotado.

Uma coisa importante de lembrar: sempre que tem gente saindo do Seabus, tem alguém disparado pelos corredores, tentando chegar no barco antes de ele partir. Estava o grupinho atravessando o corredor pelo qual as pessoas vêm, e passa uma mulher a toda velocidade. No que ela passa, o celular dela cai. Pronto, pensei que aí ia confirmar todas as minhas suspeitas, eles iam pegar o celular e partir.

Acabei quebrando a cara. O celular mal encostou no chão, a menina já tava abaixando pra pegar e correndo atrás da mulher, enquanto os dois camaradas tentavam chamar a atenção da moça e dos seguranças, com gritos, pra ela não embarcar sem celular.

Tenho certeza que, do jeito que aconteceu, nada mais passou pela cabeça da menina além de “EITA PORRA, PRECISO ALCANÇAR AQUELA MULHER PRA DEVOLVER O CELULAR DELA!”. E isso me impressionou muito. É claro que eles conseguiram devolver, e apesar de estar redondamente enganado sobre o grupo, fiquei muito feliz em estar errado. De lá pra cá, já tenho olhado tudo ao meu redor de outro jeito, sem o padrão de “não pode vacilar, porque vai ter alguém pra te sacanear”, e isso é muito tranquilizador.

Ah, mais uma pra essa lista, que lembrei agora: a bike de um colega nosso – uma bike novinha, caríssima – tinha sido roubada, na primeira semana de aula, de uma vaga NA FRENTE da escola. Ele tinha ficado só com um das rodas. Prestou queixa na polícia e ficou torcendo pra encontrarem mas, ao mesmo tempo, já se preparando pra comprar uma bike usada, e mais barata. Ontem a polícia ligou pra ele, dizendo que tinham encontrado a bicicleta dele e prendido o ladrão. Nos próximos dias ele vai receber bike de volta. Dá pra acreditar nessas coisas?

Day-to-Day

IKEA e a Mobília.

July 14, 2014

Fim de semana agitado rende mais de um post! Era pra ter escrito ontem, mas acabei de arrumar tudo muito tarde e precisava dormir pra ir pra aula hoje.

Bom, o domingo começou de madrugada. Apaguei às 22h de sábado, derrotado pela montanha. Resultado, acordei antes das 4h da manhã de Domingo. Tinha combinado com o Fernão de ir na Ikea umas 10h30, então tirei umas horinhas pra resolver os benditos desenhos da aula de Design (que ainda tenho que terminar hoje), e umas paradinhas de Team Building. No fim das contas, todo mundo atrasou, e partimos (Fernão, Maísa e eu) para a Ikea perto de meio dia, com direito a gato-e-rato no metrô, onde eles desceram por uma escada e eu subi pela outra, e depois o contrário, tudo isso enquanto mandávamos mensagens pelo celular.

A viagem de Skytrain e ônibus levou uma hora, e no meio do caminho a gente ficou vários minutos perdidos procurando o ponto de ônibus certo. Ah, e tava fazendo UM CALOR que não é desse país, e a gente na rua, debaixo de um Sol de rachar. Aquelas camisas de $3 foram uma benção, porque já tava estreando uma delas.

A Ikea é tipo a Tok Stok, com algumas diferenças básicas. Tudo é de boa qualidade, e você consegue mobiliar uma casa inteira em poucos minutos. Ao invés de tudo ser ridiculamente caro, como é na Tok Stok, é ridiculamente barato.

Eu e a May já tínhamos escolhido nossos móveis a dedo pela internet, e fui lá porque tava indicando que a loja tinha todos os itens que queríamos. O delivery tava salgado a $99,e podia ser que melhorasse indo pegar na loja. A idéia original era dividir a entrega entre nós, pra ficar mais em conta pra todo mundo.

Depois de três horas passeando pra cima e pra baixo, anotando código e discutindo possíveis alterações por whatsapp com a May, resolvemos começar nossa jornada de saída do showroom. Nesse processo, encontramos com o Luka, um colega de curso, que tava lá pra comprar uma mesa, e resolveu entrar na festa do delivery.

Depois do showroom, quando achei que a loja tava acabando, começavam os setores de acessórios. Pratos, copos, toalhas, almofadas, tapete, vasos, plantas falsas, coisas de cozinha, decoração, o caralho a quatro. Muitos e muitos espaços disso.

Depooois disso tudo – eu passei quase correndo, porque não tinha nada que me interessava lá. Aí chegava a parte do self-service de verdade, onde você pega todos os códigos de produtos (com corredores e prateleiras indicados no showroom), e vai colocando as caixas no carrinho. Tudo bem se você for comprar pouca coisa, mas quase me quebrei todo nessa parte, levantando caixas pesadíssimas, apelando pra todo o meu senso de equilíbrio e colocando as paradas no carrinho.

Essa parte é um galpão. GIGANTE. Sério, acho que é o maior espaço que já estive dentro. Surreal, com prateleiras, caixas, corredores e estantes do chão ao teto, abarrotadas de móveis de todos os tipos.

Saí feito barata tonta procurando os lugares certos e carregando as caixas. No fim das contas, tinha achado tudo, menos a mesa, que o computador dizia “request personal assistance”. Fiquei quase meia hora até conseguir achar um diabo de um funcionário. Por fim, o carinha imprimiu uma folha de papel com um código de barras e disse pra apresentar no caixa.

Depois disso, consegui a mesa – que pesava mais 30kg. Todo mundo já tava com suas mobílias e fomos investigar jeitos de transportar tudo pra nossas casas em downtown. O transporte da Ikea só ia chegar no dia seguinte, e custava $79. Resolvemos pegar dois táxis, e rachar os custos. Vim com o Luka, e cada um de nós gastou $25.


Carrinho de compras, com uns 80kg de madeira.

O taxista despejou a gente aqui no prédio – ele literalmente disse que não podia continuar a corrida, que precisava voltar pra Richmond. Tiramos tudo do carro, inclusive as coisas do Luka, que ia ficar em oooutro lugar. Ele me ajudou a carregar minhas coisas pra cima, e como eu precisava entregar o robô escorpião, peguei uma carona no táxi dele até perto da VFS.

De lá, AFINAL, fui almoçar – já eram 6pm e o calor continuava ridículo. Combinei com a Luísa de pegar as ferramentas dela pra montar os móveis, e fui encontrá-la na praia. Desci de bike e, literalmente, pedalei uma única vez, ao longo de oito quadras, porque era tudo descida.

A praia tava LOTADA. Nunca vi uma praia tão cheia antes – e olha que vi muita gente em Salvador. E era um clima muito festivo, uma coisa louca. Peguei as ferramentas com a Luísa, que tava lá aproveitando o Sol e desenhando (as coisas de Design também).

Cheguei em casa umas 7pm, e queria terminar de montar toda a mobília (duas cadeiras, dois pufes, um móvel de TV, uma estante e uma mesa expandível) até 22h, pra dormir cedo. Até parece que eu consegui, né?

Fui acabar quase meia noite, suando feito um condenado, porque o calor não deu trégua, e mesmo com a varanda aberta, o ar não tá circulando nos últimos dias. No processo de montar os móveis, prendi bem uns cem parafusos, coloquei suportes, apertei tábuas, levantei e me perdi no manual, foi um Lego, versão doméstica, com instruções tão complexas quanto qualquer cenário elaborado.

Meus dedos já estavam todos no bagaço, e eu já tava morrendo de cansaço. Só tive força pra tomar um banho, pra voltar a ser gente, cair na cama e dormir.

Hoje de manhã dei uma olhada na sala, e apesar de ter móveis, o apartamento agora parece maior do que vazio. Que tal? Agora já tenho mesa e cadeiras, que tornam o processo de trabalhar e escrever algo muito mais agradável!


A casa, mobiliada.

Day-to-Day

UP15 – Lightfield

July 14, 2014

Com todos os benefícios oferecidos pelo formato raw, não é difícil afirmar que, depois de feita a foto, praticamente tudo pode ser ajustado e modificado. Exceto o foco. Uma foto desfocada, ou com o foco no lugar errado está irremediavelmente perdida.

E como funciona o foco, numa câmera fotográfica? Resgatando alguns princípios de física, quando os raios luminosos entram pela lente em suas diversas direções, a curvatura do vidro faz com que eles se reencontrem do lado de dentro, sobre o sensor. A parte mais importante desse funcionamento é que assuntos posicionados a diferentes distâncias da câmera, resultam em imagens diferentemente afastadas uma da outra. Por isso que existe o mecanismo de foco. Uma vez que a imagem formada é menor que o objeto real, o ajuste na posição do foco – dos elementos internos da lente – é pequena, e consegue alterar a distância de formação da imagem sobre o sensor. Por esse motivo que temos partes em foco, e partes fora de foco. Existem diversos fatores que influenciam essa percepção, como a abertura da lente, distância focal e tamanho do sensor, mas eles não serão levados em conta dessa vez.

E porque o foco é inalterável? Porque há apenas uma lente, e um sensor quando a imagem é registrada. Existe uma técnica chamada focus-stacking, que combina múltiplas fotos, com diferentes posições focais e produz imagens de foco inicialmente impossível. O tema da coluna desse mês contorna essas limitações. Light field é uma tecnologia ainda pouco comum, onde o sensor da câmera é revestido de pequeníssimas lentes, resultando numa imagem que armazena informação suficiente para permitir drásticas alterações de foco sem qualquer perda de qualidade na imagem. Claro, essas microlentes trazem consequências e aumentam muito o custo de produção do equipamento.

Há uma lente principal, que define o quão aberto ou fechado será o enquadramento, mas essa lente já não possui anel de foco. A empresa Lytro é a pioneira em trazer esse tipo de câmera para o mercado digital popular, mas o equipamento ainda tem sérias limitações, como um design estranho, uma lente fixa, usos limitados e baixíssima resolução. Os arquivos resultantes devem ser processados por um programa especial, capaz de interpretar os dados relativos às diferentes posições focais registradas, e exibir apenas uma delas para o usuário. O foco da imagem é alterado com um simples clique sobre a área onde se deseja ter foco.

Apesar de seus primeiros conceitos terem surgido em 1902, é só agora que essa tecnologia começa de fato a se expandir e ser pesquisada mais a fundo, em termos práticos. Ao longo dos próximos anos devemos ver mais produtos e técnicas capazes de resultados similares ou superiores, criando um novo mercado – a princípio amador, devido à baixa resolução.

Ainda vai passar algum tempo até que surjam câmeras, a nível profissional, que apresentem soluções similares e permitam que nós, fotógrafos, tenhamos mais liberdade e agilidade na hora de produzir uma imagem. Uma câmera plenóptica (nome mais charmoso para light field) seria excelente opção para fotógrafos em situações onde grande velocidade e precisão são exigidas, ou atenção aos arredores – como zonas de conflito, grandes festas populares, entre outros exemplos –, pois permite que o fotógrafo se concentre em outros pontos além da recorrente neurose de “conseguir uma imagem em foco”, e muitas vezes ter que descartar o que seria a melhor imagem de uma série, se não fosse o foco, levemente fora de lugar.


Coluna Ultrapassagem, Publicada originalmente na Revista OLD #29, em Janeiro/2014

Day-to-Day

Grouse Grind.

July 13, 2014

Fiquei em dúvida entre tantas opções de títulos para esse post, que vou até colocar mais dois aqui, eliminados por serem muito longos: “Outros 7 Dias, que pareceram durar um mês”, “O Dia Que Voltei Pra Casa Abraçado com uma Lata de Lixo”.

Bom, exatamente mais uma semana passou, dessa vez sem feriados e sem aulas canceladas, então o ritmo foi pesado. Tivemos 13 aulas de 3h cada, entre Segunda e Sexta, o que dá uma média de quase 8h por dia na VFS, socando coisas pra dentro da cabeça. Modelamos um chapéu, animamos uma bolinha e um pêndulo em 3D, pintamos um INFERNO de um robô escorpião (que vai aparecer mais pra baixo nesse post), fizemos várias atividades em equipe, para as aulas de Team Building e vimos trocentos cartoons nas aulas de História da Animação e VFX. Ah, afinal, começamos a brincar com o Nuke! Em casa mesmo, acho que só parei pra dormir.

Quarta feira, não tínhamos a última aula – que foi passada pra Quinta – então combinei de encontrar o Rob. Rob é um camarada que conheci no fórum EOSHD, o das lentes anamórficas, e que, descobri no meio do caminho, curiosamente morava em Vancouver. Melhor ainda, ele trabalha num estúdio de pós-produção pequeno, chamado Lux. Nos encontramos por lá, ele me apresentou um povo, conheci um sul-africano que também fez VFS e que me deu uns conselhos de atitudes úteis ao longo do curso. Depois, partimos para North Vancouver, onde o Rob mora. No caminho, fomos conversando um bocado sobre câmeras e lentes, e sobre adaptação a Vancouver. Paramos brevemente na casa dele para comer algo – pizza! – e conheci o resto da família – ou quase, porque a menininha mais nova, de seis meses, tava dormindo – mas Hailey (de dois anos e meio) ficou interagindo com a gente enquanto conversávamos, e depois foi brincar com a mãe, interessada pelos esmaltes muito coloridos. Conheci também os dois gatos que ele tem lá (ambos muito amigáveis e fofinhos). Depois, saímos no sentido oeste, e ele foi me contando umas idéias de curta que ele tá trabalhando em cima, além de histórias do estúdio, e de como era o mercado de efeitos visuais até alguns anos atrás, e como tudo mudou há relativamente pouco tempo.

Paramos em Whytecliff para apreciar a vista – o Sol tinha acabado de se esconder atrás das montanhas – e tirar umas fotos. Sentamos num banquinho perto de uma parede de pedra que acabava no mar lá embaixo. Ficamos mais um tempão conversando, tirei várias dúvidas que estavam a me atormentar, sobre mercado, sobre o que é bom de colocar no demoreel, como não se comportar, onde procurar material além do oferecido pela escola, onde procurar emprego, assim que me formar, e UM MONTE de coisas técnicas. Felizmente meu conhecimento de câmera vai valer ouro na área que pretendo trabalhar. Infelizmente, ainda vai levar uns meses até ele começar a ser útil no curso.


Praia de Whytecliff

De lá, já tava ficando de noitinha, começamos a voltar mas subimos metade da Cypress mountain, para apreciar a vista lá de cima. Tava escuro demais e não consegui tirar fotos com o celular, mas dava pra ver até bem longe, tudo com as luzinhas de prédios e casas acesas de noite. A lua cheia no céu tava fazendo um mega reflexo prateado na baía lá embaixo, uma coisa linda. O Rob comentou que em Vancouver todo mundo tem câmera, qualquer lugar que você vai, tem uma pá de gente tirando foto, e que isso acabou fazendo com que ele fosse fotografando cada vez menos e procurando lugares menos conhecidos, para ter fotos mais autênticas.

Enfim, ele me deixou no Seabus, e peguei o caminho de casa, já quase às 11pm. Combinamos de nos encontrarmos mais vezes, pra testar câmeras e lentes com mais tempo – e mais luz também.

Quinta feira fiquei 13h na VFS, por conta de aulas, intervalos e reuniões para trabalhos variados. Acho que isso vai acontecer mais vezes nessa semana, e tende a se intensificar, conforme os assignments forem se complicando. Voltar pra casa de noite foi uma alegria, e a bike torna tudo melhor na vida.

Anteontem – Sexta -, já tava começando a surtar com o assignment de pintura – o tal do escorpião – porque tinha investido MUITAS horas nele, e ainda não tava feliz com o resultado. Resolvi arrematar o desgraçado. Concluí que não gosto de pintar coisas, mas fui fazendo tudo com cuidado, pra ficar pelo menos passável. Ó aí o resultado. Queria que tivesse ficado melhor, mas tô em paz com o jeito que está.


12+ horas pintando esse inferno

Ontem de manhã dei uma varrida em tudo, coloquei o lixo pra fora e depois saí pra encontrar o povo no Canada Place, pois estávamos determinados a subir a Grouse mountain (são três montanhas bem próximas da cidade: Grouse, Cypress e Seymour). Partindo do Canada Place, o plano era pegar o ônibus direto das 10h, mas o diabo do ônibus lotou. A opção era esperar até o das 10h30, ou ir de transporte público (Seabus seguido por um ônibus normal). Achamos que o das 10h30 ainda estaria lotado e resolvemos tomar o caminho do Seabus. Ah, sim, eramos cinco, todos da VFS: Rachel, Isaac e Aldo, de Sound Design, Ben, de programação (e quem tirou todas as fotos decentes desse post), e eu, do curso de VFX. Como pegamos o Seabus (chegamos lá faltando UM minuto para a partida, e corremos loucamente pra alcançar o barco), mandei mensagem pro Paul, dizendo pra ele correr e encontrar a gente no ponto de ônibus, que íamos subir a montanha.

O coitado chegou lá todo esbaforido, correndo, por causa da minha pressa, e ainda tivemos que esperar uns cinco minutos pelo ônibus. Esse foi lotado, quase no nível São Paulo, até o sopé da montanha, onde todo mundo desceu. Eu já tava meio preocupado porque tava SOL PRA CARALHO, e eu tava com uma roupa muito quente – por falta de opção, as outras estavam lavando – mas fomos adiante. A subida tava lotada. Vou resumir um pouco a experiência: subir a Grouse Grind é como subir uma escada. Com degraus altos, feitos de pedra e madeira. Em zigue zague. POR UMA HORA E MEIA, incluindo algumas pausas no caminho.


Só caras de alegria no caminho

Uma coisa é fato: quando você chega na marca de 1/4 do caminho concluído, já tá praticamente no topo. Não sei como é essa matemática canadense, mas até 1/4 foi foda. Depois daí… continuou foda mesmo, mas a gente tinha uma noção de tempo e espaço. Em vários momentos, todos achamos que não íamos chegar ao topo. Tem uns trechos que são DO MAL, sério. Sabe a subida da cachoeira da Fumaça? É um passeio no parque, quando comparado com isso aqui. É uma trilha mais longa, sim, mas em termos de inclinação, é um morrinho. A trilha aqui tem só 3km (uma distância que, no plano, é fácil cobrir em pouco mais de meia hora), mas com 850m de variação vertical. Ou seja, pra é quase 2:1, a cada dois metros na horizontal, você tá subindo um na vertical. Esse inferno tem mais de 2800 degraus, e é engraçado ver a cara de exaustão do povo subindo – isso quando você mesmo não tá preocupado em continuar vivo, e continuar subindo. Mas, sério, o que mais esperar de uma trilha que se chama “Moedor”?

Na 1h30 de jornada, não vi ninguém de calça – como eu – ou de manga comprida – como eu, ainda que enroladas. Mas chegamos todos ao topo, sem nenhum morto ou ferido. Ó aqui as nossas caras de comemoração:

Lá no topo dá pra ver até o infinito. Ok, acho que nem tanto, mas dá pra ver até depois do aeroporto. Bate a vista da Cypress, com o Rob, na Quarta feira. Sentamos no restaurante lá no alto, e acho que nunca tinha comido tanto, desde que saí de São Paulo. Tava todo mundo morrendo de fome e de sede. Depois do almoço tardio, o Ben foi caçar mais fotos, Rachel foi com ele, e nós tomamos o caminho pra baixo, pela gôndola. Em cinco minutos estávamos na base da montanha.


Indicações e localizações

Pegamos o ônibus de volta para o Seabus junto com nossos colegas mexicanos (agora não eram só Isaac e Aldo, um terceiro se juntou a nós no topo da montanha). Por motivos desconhecidos, o motorista não deixou ninguém pagar. Depois dessa lição de calor aprendida, descemos – eu e Paul – no Walmart, e fui comprar umas camisas sem manga, de pano mais fino, além de coisas que tavam faltando em casa (do tipo lata de lixo, pendurador de toalha, fita crepe, trena). Quando vi os preços das camisas, comprei logo 6. Depois ficamos um tempão rodando até achar todas as tranqueiras que precisava em casa.


$3 por uma camiseta

Por fim, na saída, compramos dois copos, oito colheres, um potão de sorvete e um potinho de nutella, pra matar a vontade de comer algo gelado, nesse que foi um dos dias mais quentes de nossa estada. Saímos do mercado, sentamos numa sombra de árvore no estacionamento mesmo, e nos empanturramos com nossos doces quitutescos. Essa gula toda custou $5.50 pra cada um.


Sobremesa dos campeões

Daí, fomos voltando para o Seabus conversando sobre a vida. O Paul ficou em casa, e fiquei OITO MINUTOS esperando um trem terminar de cruzar a pista pra poder chegar no Seabus. Claro, perdi o barco e tive que esperar mais quinze minutos. Esse tempo todo abraçado com minha nova lata de lixo, carregada com as compras! Aqui minhas pernas já tavam morrendo, e ainda tinha a viagem de barco, mais metrô e por fim, oito quadras a pé até chegar em casa. Saí largando tudo assim que entrei, e fui direto pro chuveiro, tomar banho, porque tava impossível. Depois, ainda fui tentar ver filme, mas dormi antes das 22h, e acordei hoje de madrugada.

Os planos agora são de ir na IKEA daqui a algumas horas com o Fernão, e possivelmente comprar o resto da mobília da casa por lá, pra gente rachar o frete e depois carregar uns pacotes pesados pela rua até aqui em casa. Durante a semana devo tirar algumas horas pra montá-los. Ou então só no fim de semana que vem. Mas já to dando graças aos céus porque vou ter uma mesa e cadeiras!

Day-to-Day

Classical Animation.

July 8, 2014

Hoje ficamos desenhando bolinhas indo de um lado para o outro. Como não tem nada mais hipnótico que um loop, cheguei em casa e fiz esse no Photoshop, porque tava muito inspirado!

Day-to-Day

UP14 – HFR

July 7, 2014

O ano vai chegando ao fim, e temos mais uma parte de “O Hobbit” entrando em cartaz nos cinemas. Assim como no ano passado, o filme chega com uma grande variedade de versões, mas a discussão aqui vai focar-se na mais diferente de todas: a tal da HFR (high-frame-rate). Alardeada pela produção do filme como uma grande revolução no cinema, a versão HFR tem o dobro de quadros por segundo que um filme normal.

O padrão cinematográfico, estabelecido ao longo de mais de cem anos de história, é de 24 quadros por segundo. Na TV são 30 quadros por segundo. Alguém muito importante na equipe de “O Hobbit” afirmou que 48 quadros por segundo seriam uma coisa fantástica pelos seguintes motivos: há mais foco, menos borrão de movimento, mais sensação de realidade e mais imersão no filme. Desses quatro motivos, três são plausíveis, mas o último é extremamente falso.

Durante a primeira metade do filme, a sensação é de assistir a um making of onde os equipamentos estavam escondidos e tudo se move de forma acelerada. Todas as ações parecem acontecer mais rápidas do que de fato ocorrem. Realmente, os detalhes aparecem muito mais em foco, e são tantos detalhes perceptíveis que até prejudicam o filme. É possível desconfiar dos objetos de cena, que parecem falsos (feitos de isopor e compensado), os mesmos objetos que são perfeitamente convincentes na versão tradicional (a 24 quadros por segundo) do mesmo filme!

Depois da primeira metade da projeção, consegui convencer minha mente que aquilo não era um making of. O próximo cenário escolhido pra processar as imagens foi na frente de uma loja de eletrodomésticos, com uma tela particularmente grande. Não sei se vocês já pararam pra observar como, de relance, as imagens dessas TVs de loja parecem incrivelmente mais detalhadas e bonitas que as do cinema, ou das nossas TVs de casa. De fato, as imagens daquelas TVs são bastante diferentes das originais, por conta de uma série de configurações especiais, aplicadas pelos fabricantes, para passar justamente essa sensação de “realidade”. Basicamente, o que se faz é aumentar o contraste, jogar uma tonalidade azulada na imagem como um todo, aplicar um filtro de nitidez e sintetizar novos frames (inexistentes no filme original), para dar mais “realidade” aos movimentos, a uma taxa de quadros mais elevada que os 24 ou 30 quadros originais.

O resultado é extremamente exagerado e tem uma textura de vídeo, como o jornal que vemos na hora do almoço, ou jantar. Não é mais ficção, é realidade. Fica com cara de algo que pode ser visto acontecendo na rua. Mas (infelizmente) não temos hobbits, magos, anões e orcs perambulando pelas ruas. Então aquela imagem projetada ali só pode ser falsa, e é aí que a imersão vai para o brejo, porque quando a coisa é visivelmente artificial, mas tenta convencer como real, tudo fica tosco. Numa analogia estranha, quando o sujeito é feio, mas age como se fosse bonito, não dá pra não achar engraçado ou ter pena. E nessa hora que a coisa fica tosca, nós, espectadores, somos jogados para fora do filme mais rápido que uma flecha de Legolas (a 24 quadros por segundo, por favor).

Em 2009, o filme “Quem Quer Ser Um Milionário” ganhava o Oscar de Melhor Direção De Fotografia. A parte curiosa é que todos os trechos do filme que evocam sentimentos e emoções intensas foram filmados a menos que 24 quadros por segundo (para ser exato, foram filmados a 12 quadros por segundo). É um visual ainda menos fluído que o tradicional, mas funciona justamente porque caminha em uma direção onírica, oposta à realidade. Quanto mais quadros por segundo mais nos aproximamos da realidade em que vivemos. Só que ninguém vai ao cinema para ver a realidade. A gente vai no cinema justamente pra ter uma folga da realidade, e acompanhar uma história bem contada, com personagens fantásticos.


Coluna Ultrapassagem, Publicada originalmente na Revista OLD #28, em Dezembro/2013