Day-to-Day

The End.

June 14, 2010

Não, não é o fim do blog! Hahahaha

Só pra dar uma variada de ares por aqui, temos um trabalho de Imagem (e não de Roteiro de Rádio, como já tá se estabelecendo a tradição). Depois de uma prolongada leitura do texto “Imágenes del Silencio” de Jordi Balló, onde o autor discorre sobre a força de certas composições visuais às quais estamos acostumados, devido aos filmes, e como muitas delas foram sendo construídas ao longo do tempo, até se tornarem clássicas (um beijo que termina o filme, por exemplo). Na segunda parte do texto, ele fala justamente sobre as imagens que encerram o filme, e seu impacto no espectador, quais as sensações e pensamentos criados por elas, explica o processo de encerramento do filme (é preciso preparar o público, gradualmente, para o fim da história, pois um fim brusco não agrada ninguém), desconstruindo elementos que fazem parte desse processo de final.

Por fim, o trabalho consiste em elaborar e justificar a última imagem do nosso Argumento Único. Não vale usar um quadro do próprio filme, e cada pessoa tem seu próprio final, mesmo que elas estejam num mesmo grupo, fazendo um mesmo filme.

Proposta do Argumento Único, “Chá com a Morte”, por Luciana Zulpo com colaboração de Stefan Radkowski.

Uma pessoa está tomando chá e escuta um barulho em outro cômodo. Ela vai verificar e não encontra nada. A campainha toca. Ela atende a porta e não há ninguém do outro lado. A pessoa volta a tomar chá quando nota que há alguém no mesmo cômodo que ela e assusta-se. A segunda pessoa anuncia-se como a morte. A primeira pessoa convida a Morte para tomar chá. A morte aceita. As duas passam um tempo conversando amenidades (possibilidade de criar elipses e passagens rápidas). Então a Morte anuncia que está na hora. A pessoa questiona a Morte sobre como vai morrer e a Morte responde que ela já estava morta desde o momento em que a Morte se apresentou. O plano final pode ou não mostrar a pessoa morta.

Última imagem escolhida:

Embasamento e justificativa da imagem.

Temos que concordar que todo o tema e contexto da história convergem para uma boa imagem final. A figura da Morte estendendo a mão para o personagem principal é um conceito marcante pois, mesmo sendo a morte um tema comum no cinema, são raras as vezes em que ele é abordado com profundidade, onde o espectador pode se identificar tanto com aquele que vai morrer, Buonasera, como com o personagem ilustrado pela Morte, que conversa com calma, guiando pacientemente o diálogo que marca o fim da vida de Buonasera, de forma quase humana. Nada do lugar-comum de Morte como uma assassina cruel que pouco liga para a existência humana e só se importa com fazer seu trabalho da forma mais rápida possível.

Materializar a morte numa figura masculina é um conceito recorrente na história da arte, portanto, de fácil reconhecimento. Outra tendência relativamente comum é o uso de uma figura andrógina, na qual não se identificam nem características de um sexo ou de outro, mas isso complicaria um tanto nossa escolha de atores para o papel. A questão foi resolvida a partir do visual elegante, atraente, ostentado pela Morte.

O silêncio que segue a última proposta da Morte – “é hora de irmos” – deixa, tanto o espectador como o personagem em uma espécie de suspensão, dividido entre a curiosidade, vontade de abraçar aquilo que vem a seguir, e o medo de deixar para trás a vida, representada por tudo que ele conheceu até então. Todos querem saber qual será a reação do protagonista, pois o quadro permite apenas ver as expressões do rosto da Morte, e deixando a curiosidade sobre o olhar de Buonasera, que pode ser classificado entre duas opções: aceitar tranquilamente a proposta, ou lutar para permanecer na realidade que enfrenta todos os dias? Cabe a cada um de nós escolhermos como ele vai encarar o fim e, portanto, como nós mesmos conscientemente encaramos aquela questão. Afinal, é nossa consciência que permite que apreciemos a dramaticidade da escolha proposta.

A partir do momento em que a Morte aparece e se identifica como tal, já sabemos exatamente como vai terminar a trama. O fim da vida de Buonasera já está prometido dali em diante, portanto, o convite mortal apenas confirma que ali acaba aquele breve interlúdio, dedicado a afastá-lo de sua existência mundana, portanto, quem assiste a obra, sabe que ali é o ponto final da jornada.

O caráter sincero do diálogo travado anteriormente deixa o espectador curioso sobre qual a forte ligação entre Buonasera e a Morte. Essa conexão é explicada também na última seqüência, onde descobrimos que a função desempenhada pelo homem é nada menos que a de agente funerário, lidando com a morte todos os dias e tirando seu sustento a partir dela. Sendo assim, um final que une pontas soltas ao longo da história, surpreendendo o espectador com mais detalhes numa trama que já parecia completa.

No último plano, vemos o corpo sem vida de Buonasera, com a xícara em pedaços, e o tempo, suspenso desde a chegada da Morte no local, acelera-se novamente até o momento presente, muito depois da fatalidade. Vemos cartas se acumulando sob a porta, o relógio dispara, o telefone toca, e em meio à confusão provocada por essa retomada, os personagens somem, deixando o cenário, representando a finitude humana, e permanência daquilo que não possui vida, a singela casa, mas que, entretanto, testemunhou tantas situações e emoções, como, por exemplo, esse último diálogo.