Quando entram na agência, o clima fúnebre continua enquanto os dois percorrem o corredor ao som, unicamente, de seus próprios passos no assoalho de madeira.
— Acho que vamos ter algum tempo de paz e tensão por aqui – Rafael comenta assim que fecha a porta da sala.
— Não sei se isso é bom ou ruim para você, mas eu, particularmente, gosto – Os dois sorriem.
— Agora, vamos ao trabalho! – enfatiza ele.
E ainda não eram nem onze horas daquela conturbada manhã de quarta-feira.
Passada a turbulência inicial, na quinta e na sexta daquela mesma semana, Rafael e Luísa descobriam cada vez mais coisas em comum e o trabalho voava. Estavam num ritmo alucinante, e a agência nunca tinha sido tão divertida para Rafa. Na sexta feira, pela manhã, Marina chama Rafa pelo telefone e diz que é uma ligação importante. Ao atender, é surpreendido por uma voz desconhecida mas, ao mesmo tempo, bastante familiar, que lhe faz abrir um sorriso de orelha a orelha. Era Maurício Antonini, representante do Grupo Pão de Açúcar no estado de Minas Gerais.
— Então quer dizer que finalmente estou falando com o jovem de sucesso que fez a campanha do refrigerante Toobah?
— Sim, senhor, sou eu mesmo.
— Você faz idéia de com quem está falando, rapaz?
— Perfeitamente, senhor Maurício. Como não reconhecer sua voz após assistir e estudar centenas de vezes o último comercial do Pão de Açúcar? – ele ri um pouco, nervoso. Luísa está montando um gráfico comparativo num quadro plástico e não presta atenção na conversa.
— E qual sua maior observação sobre o comercial? Se me permite perguntar…
— Definitivamente, a ousadia e liberdade da peça, senhor.
— Bom, bom. Gosto de sua percepção, meu jovem. Apenas uma última pergunta e não mais tomarei seu tempo de trabalho.
— Não, não! Nenhum problema, senhor – Rafa ainda mais nervoso, quase gaguejando ao telefone. Luísa se dá conta de que algo está estranho. Ele está com o rosto vermelho e suando enquanto a sala está bastante fria.
— Quer que eu pegue uma água? – ela pergunta sem emitir sons e através de sinais. Ele responde positivamente com o polegar.
Ao abrir a porta para buscar a água, a garota se depara com todos os colegas à porta da sala, olhando fixamente para o homem ao telefone. Dá para sentir a eletricidade no ar. Ela ainda não consegue entender o motivo de tanta ansiedade. Não se ouve nem o barulho constante das impressoras. Já na recepção, ela enche o copo com água gelada e é alcançada por Rafael no meio do corredor.
Ele vem a passos largos, em meio à multidão de publicitários atônitos que abrem passagem. Com uma mão ele pega o copo, com a outra ele pega o braço da garota e continua em sua marcha para o lado de fora, praticamente arrastando-a consigo. Assim que cruzam a porta, ele despeja a água sobre a cabeça e esfrega as mãos no rosto que já começa a voltar à coloração original. Ela ainda com cara de ponto de interrogação.
— E aí, vai ter aquela explicação básica ou eu vou continuar no escuro?
— O que a gente vai fazer agora é absolutamente contra as regras da agência, mas, se tudo der certo, eles não terão margem para reclamações.
— E… se der errado, seja lá o que for?
— Aí, provavelmente, outra pessoa vai passar a ser seu chefe. Eu te explico tudo no carro.
E, dessa forma, menos de uma hora depois, estavam os dois à mesa do melhor restaurante da cidade, almoçando e conversando (quase) descontraídamente sobre negócios e contratos com Maurício Antonini. Ao ser interrogado pelo acionista sobre quem era a moça, Rafael explica que era sua parceira, com quem trabalhava já há bastante tempo. Ao se despedirem, os principais desejos do publicitário tomaram formas concretas.
— Obrigado pelo convite, senhor Maurício – Rafael, sempre educado, ao levantar-se da mesa e oferecer a mão a Luísa, selando um forte aperto de mãos em seguida com Maurício.
— Oras, um almoço de negócios sempre faz bem aos envolvidos. Ainda hoje á tarde, assinarei o acordo com a agência e vou deixar bem claro que quero vocês dois como responsáveis pelos produtos. Não espero nada menos que excelência vindo de vocês dois.
— Será uma honra trabalhar para o senhor, Maurício – Luísa devolve as palavras gentis com grande classe enquanto se despede do acionista.
— Ah, e Rafa, provavelmente já te disseram isso mas, você tem uma parceira brilhante. É cada vez mais difícil de encontrar uma garota assim, hoje em dia – ele procura seus óculos escuros no bolso do paletó.
— Obrigada.
— Obrigado – ambos respondem simultaneamente, sorrindo – Eu cuido direito dela, não se preocupe, senhor.
Muito discretamente, ambos ficam com rostos corados, e ambos percebem. O acionista, entretanto, não repara nesses detalhes por trás de suas fortes lentes escuras.
Dentro do carro, no caminho de volta, há um silêncio confortável no ar. Sendo estagiária, Luísa só trabalha meio período, então Rafa a deixa em casa. Na agência, ele é recebido com festividade e até direito a champagne. Ele é carregado e brindado por todos os colegas, todos cantam e dançam pelo corredor e recepção. A gerência decretou folga para o turno da tarde. É o maior contrato da história da empresa.
Em meio a tanta confusão e graça, o jovem rapaz ainda se sente um tanto deslocado. Num canto, manda uma mensagem para Luísa, convidando-a para um jantar, naquela noite. Chegando em casa apressado para se arrumar e ir buscar a moça, ele se depara com a carta de Carol, que só chegara algumas horas antes. Por alguns instantes, ele fica dividido entre adiar o jantar para ler e responder a carta, ou deixar a carta para o dia seguinte e ir a seu jantar.
A carta é deixada sobre a mesa da cozinha, ainda fechada, enquanto ele ruma para o chuveiro.
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